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O 8 de março e a agenda 2030: a busca pela igualdade de gênero não é um assunto só de mulheres

By 28 de março de 2023No Comments

*Por Isabela Castro de Castro

No mês de março, celebramos o Dia Internacional da Mulher. Nessa ocasião, nos cabe exaltar e discutir o papel que a mulher ocupa na sociedade e a necessária busca por mais espaço nos cargos de comando e decisão nas empresas, na academia e na política, para a efetiva implementação da igualdade de gênero.

Às portas do início do novo milênio, houve uma extensa pesquisa mundial sobre o que seria necessário para o desenvolvimento harmonioso e saudável de nossa sociedade. Em resposta, a Organização das Nações Unidas (ONU) nos ofereceu os oito “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM), destacando-se entre eles a Igualdade de Gênero.

Os estudos prosseguiram e os oito objetivos do milênio foram reavaliados e ampliados, transformando-se em dezessete “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” (ODS), que foram apresentados em 2015 para compor a Agenda 2030. De acordo com a ONU, “Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e prosperidade”.

Cabe esclarecer que a Agenda 2030 é um pacto proposto pela ONU, firmado por diversos países, incluindo o Brasil, além de diversas empresas e entidades, destacando-se entre elas a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo, sendo certo que todos os signatários da Agenda assumiram o compromisso de engajamento com a pauta dos 17 objetivos para a busca e aprimoramento dos resultados almejados. Entre os ODSs que compõem a agenda 2030, o de número 5 trata da Igualdade de Gênero.

Entre as frentes de trabalho da ONU para implementação da agenda 2030, e em especial do ODS 5, destaca-se o “Movimento Elas Lideram” fomentado pela ONU Mulheres e pelo Pacto Global da ONU no Brasil. O Movimento tem por meta ampliar a participação feminina em cargos de alta liderança e garantir a igualdade de condições de salários e benefícios entre homens e mulheres nas empresas, buscando afastar fatores limitadores ao desenvolvimento profissional feminino na estrutura corporativa e acadêmica, a exemplo do “teto de vidro” e do “efeito tesoura” que provoca a diminuição da presença de mulheres à medida que se avança na carreira.

O “Movimento Elas Lideram” tem como fundamento os Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs, da sigla em inglês) e teve início em maio de 2022, sendo certo que durante o ano, 57 empresas se comprometeriam com as metas de 30% de mulheres na alta liderança até 2025 ou 50% até 2030. Nesse objetivo, incluiu-se a OAB SP, que através da Comissão da Mulher Advogada  monitora e encaminha relatórios sobre o seu quadro de mais de 2.000 colaboradores e participa ativamente dos seminários propostos, compartilhando as informações em suas reuniões e eventos. Cabe destacar que, de acordo com estudo elaborado por McKinsey em 2019 “The future of women at work”, “Na América Latina, empresas lideradas por mulheres têm 50% mais chances de crescer do que companhias que não investem na diversidade de gênero em cargos de liderança”.

Na área acadêmica, é fato inconteste que as mulheres são maioria nos bancos escolares, na graduação, e até mesmo na pós-graduação stricto sensu, onde segundo o CAPES, 54,2% dos matriculados são do gênero feminino. Entretanto, de acordo com o IBGE, apesar de terem maior nível de escolaridade, mulheres são minorias em altos cargos e esse não é um problema exclusivo do Brasil. A revista Forbes divulgou que em janeiro deste ano, pela primeira vez na história, mais de 10% das empresas da Fortune 500 têm CEOs mulheres.

Nas universidades, as mulheres ocupam menos de metade dos cargos de docência, pois as avaliações curriculares para seleção de docentes desconsideram barreiras impostas pela desigualdade de gênero, como assédio e parentalidade, diz a matemática Adriana Neumann, vencedora do prêmio L’Oreal-UNESCO para mulheres em ciência em 2016, em artigo do jornal Unesp. O mesmo fenômeno ocorre nas empresas: a carga da parentalidade ainda recai majoritariamente sobre a mulher e são poucas as políticas de reingresso na carreira depois da maternidade.

A ideologia da discriminação e desigualdade também prevalece na maioria das esferas de poder, incluindo o poder público. Executivo, que entre outras atribuições, é responsável pelo desenvolvimento das políticas públicas. Por essas razões, a política de cotas para a participação feminina nesses espaços precisa ser de fato implementada. O resultado das eleições de 2022 para o governo estadual e para o governo federal mostrou o quanto a participação feminina precisa evoluir para efetivamente representar a nossa população.

Mulheres esclarecidas, capacitadas e empoderadas têm maiores chances e possibilidades de romper e superar ciclos de violência doméstica e preconceitos sexistas, ampliando assim sua capacidade de vencer os desafios diários da existência feminina e colaborar na construção de uma sociedade mais digna e próspera. Para que esse quadro se torne realidade, é preciso haver maior representatividade feminina, com mais mulheres ocupando espaços de poder e decisão nas empresas, na academia e na política.

Infelizmente, ainda há muitas barreiras a serem transpostas, pois apesar do nosso país ser signatário da CEDAW, tratado internacional proposto pela ONU e ratificado pelo Brasil pela eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, uma cultura baseada no patriarcado ainda prevalece no nosso país. Estudos indicam que a transformação social necessária para atingirmos a igualdade de gênero que almejamos levará décadas e só será efetiva para as próximas gerações. “No ritmo atual, a ONU Mulher prevê que serão necessários 300 anos para atingirmos a igualdade entre homens e mulheres” advertiu o secretário geral da ONU, António Guterres em encontro no último dia 6 de março.

Concluindo, a busca pela igualdade de gênero diz respeito a todos nós, inclusive àqueles que a princípio não se sentem confortáveis ou interessados pela questão, pois ainda de acordo com Guterres, se não desenvolvermos a igualdade de gênero, não poderemos desenvolver nem atingir nenhum dos outros ODSs, pois este tema é transversal a todos os demais. O desenvolvimento dos ODSs e, em especial, de uma cultura inclusiva e mais equânime para as mulheres trará benefícios para toda a sociedade. Assim sendo, é importante que todos nós enfoquemos o tema com o respeito e a importância que ele merece, trazendo os homens ao nosso lado como importantes aliados.

*Isabela Castro de Castro é presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB SP

Artigo publicado originalmente no Estadão