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Nota Técnica: agressões do DJ Ivis

By 16 de julho de 2021No Comments
OAB SP lança programa de combate ao assédio

Comissão da Mulher Advogada da OAB SP se manifesta após atos de violência de DJ a esposa e filha

Há algo ainda mais grave na violência que assistimos na rede de internet. Os vídeos divulgados e a narrativa da Pamela Hollanda mostram que a violência foi cometida contra duas pessoas vulneráveis: a Pamela, mulher, mãe, puérpera e a bebê, pequena, que, em determinado momento fica sozinha no quarto, nua em cima da cama, quando sua mãe foge de seu pai, o agressor Ivis, após este a atacar.

A proteção à maternidade está inserida na Constituição Federal no artigo 6º como direito social. Além disso, o Brasil é signatário de Tratados Internacionais, que, ratificados possuem força de Emenda Constitucional – ou seja: tem validade como nossa lei maior. Alguns desses tratados protegem os direitos das mulheres na maternidade (desde a reprodução, gestação, parto, pós parto), isso porque a maternidade transforma profundamente a vida de uma mulher, sendo irreversível essa condição.

Muito por essa irreversibilidade que socialmente impacta na vida das mulheres, é que a maternidade é categoria que vulnerabiliza a vida da mulher, e é por isso que a proteção da maternidade está inserida no status dos Direitos Humanos fundamentais.

A proteção dos direitos da mulher é amplamente garantida pela Constituição Federal e pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, em diversos de seus dispositivos, o que somente reforça a relevância deste tema e a necessidade de proteger exaustivamente a maternidade e os direitos da mulher.

Apesar das leis civis e constitucionais serem voltadas para a proteção dos direitos da mulher, podemos perceber na prática que, apesar de todo este aparato legal, a mulher ainda não conseguiu ver os seus direitos plenamente respeitados. A situação se agrava quando a discriminação ocorre diuturnamente, aos nossos olhos, sem meios de coibir a prática degradante.

Vimos um homem que agrediu sua esposa, mãe de sua filha, na frente de sua filha, ter o número de seus seguidores consideravelmente aumentado, quase que enaltecendo a atitude violenta que este cometeu, como se lhe conferissem um recibo de que ele está certo. Mas não está.

A sociedade e o estado que aceita e referenda esse tratamento é cúmplice dessa violação de direitos humanos.

O que aconteceu com a Pamela Hollanda é violência contra a mulher e violação de direitos humanos. É violação da proteção à maternidade.

Em 1992 o Comitê CEDAW emitiu a Recomendação Geral nº 19[i] , que no seu artigo 1º explicita o entendimento de que toda violência praticada contra a mulher é uma forma de discriminação que inibe gravemente a capacidade da mulher de gozar dos direitos e liberdades e pé de igualdade com o homem.

Na Recomendação 19 do Comitê CEDAW ao Brasil encontramos o entendimento daquela corte de que a discriminação contra a mulher restringe especialmente o direito ao mais alto nível possível de saúde física e mental (item 7, alínea “g”).

Este entendimento estabelece que a prática de discriminação contra a mulher constitui uma infração ao artigo 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 no que tange ao direito da mulher à saúde física e mental (saúde integral).

Porém, a questão da discriminação alcança patamares ainda mais inaceitáveis para a mulher uma vez que atualmente o conceito de discriminação contra a mulher também já evoluiu o suficiente para que tenhamos a compreensão ampla do seu significado. Desde 1992 com a Recomendação nº 19 se reconhece a relação intrínseca entre discriminação e violência contra a mulher.

O artigo 6 da Recomendação nº 19 da CEDAW afirma expressamente que na definição de discriminação se inclui a violência dirigida contra a mulher por ser mulher, incluindo atos que infligem dano ou sofrimento de índole física, mental ou sexual às mulheres.

Um dos resultados da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento – CIPD ocorrida no Cairo em 1994, foi o reconhecimento de que a temática dos Direitos das Mulheres Reprodutivos está compreendida na concepção dos Direitos Humanos. Nessa Conferência foi firmado o Plano de Ação da CIPD[ii], onde encontramos o princípio fundamental para enquadramento dos direitos das mulheres no âmbito dos Direitos Humanos:

Princípio 4

O progresso na igualdade e equidade dos sexos, a emancipação da mulher, a eliminação de toda espécie de violência contra ela e a garantia de poder ela própria controlar sua fecundidade são pedras fundamentais de programas relacionados com população e desenvolvimento. Os direitos humanos da mulher e da menina são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena e igual participação da mulher na vida civil, cultural, econômica, política e social, nos âmbitos nacional, regional e internacional, e a erradicação de todas as formas de discriminação com base no sexo são objetivos prioritários da comunidade internacional.

Como desenvolvimento desse encontro, houve a formalização da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como a “Convenção do Pará”. A Convenção do Pará foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 1.973 de 01/08/1996[iii] e foi o ponto de partida para promulgação da Lei Maria da Penha anos mais tarde. Na Convenção do Pará se reconhece que “a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades”.

É na Convenção do Pará que encontramos já desenvolvido o conceito de violência contra a mulher preconizado pelas Convenções e Recomendações anteriores:

Artigo 1

Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

De todo o explicitado, temos nitidamente que a proteção à maternidade é uma garantia de direitos humanos fundamentais, que devem ser entendidos como indivisíveis, inalienáveis. Não se negocia os direitos a uma vida digna e livre de violência que a mulher tem, inclusive na maternidade.

Enquanto sociedade que vivencia e perpetua essa violência, num momento extremo de pandemia, onde as mulheres estiveram ainda mais expostas à violência em razão de convívio constante com seus agressores, pela jornada contínua imposta, nós cometemos o grave ato de violar direitos humanos.

Ficar silente diante do ocorrido com a Pamela Hollanda e tantas mulheres mães que são agredidas diariamente, é crueldade.

Como diz a Profª Drª Simone Diniz, a maternidade, para a inteira proteção, precisa ser voluntária, segura, prazerosa e socialmente amparada.

Em 01 de agosto de 1996, através do Decreto Nº 1973/96, o Brasil promulgou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Isso quer dizer que o Brasil reconheceu e ratificou os termos de um Tratado Internacional de Direitos Humanos, vinculado à OEA – Organização dos Estados Americanos.

A violência doméstica é “Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Lei Maria da Penha, Art.5º.

Para configurar a violência, nos termos da Lei, a convivência não precisa ser cotidiana, nem atual, nem duradoura, bastando que a exista uma relação de afetividade entre a vítima e o agressor, e independe de residirem ambos no mesmo local. Também pode ser considerada violência doméstica aquela ocorrida entre as pessoas da mesma família, incluindo os agregados e também os laços decorrentes de afinidades e/ou vontade expressa das pessoas. Ex. Pais e Mães com os filhos. A Lei Maria da Penha NÃO EXCLUI de sua proteção a prática de violência em relações homoafetivas entre mulheres.

A Lei Maria da Penha especifica 5 tipos de violência doméstica: psicológica; patrimonial, moral ou financeira; moral; física e sexual. Quando uma mulher é vítima de quaisquer uma dessas violências, ela tem o direito de denunciar a agressão sofrida e solicitar que as autoridades lhes garantam as medidas protetivas necessárias para mantê-la à salvo de reincidência da violência, além de punir o agressor (inclusive com medidas que, além da perda da liberdade, sirvam como educação para não ocorrer nova violência).

Assim sendo, quando há violência doméstica numa família parental, a vítima nunca é somente a mulher. A vítima se torna todo o vulnerável que, de forma colateral, é atingido pela violência: sejam crianças, idosos, pessoas sem o exercício de sua capacidade civil.

E, justamente pelos estudos que comprovam o quanto a violência doméstica torna vítima também os vulneráveis (e aqui nesse caso vou falar especificamente de crianças), a legislação definiu que as medidas protetivas devem ser estendidas para além da mulher. Algumas medidas protetivas:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas;

II – afastamento do lar ou do local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, como: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância; b) contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação (ligações telefônicas, mensagens, e-mail); c) frequentar determinados lugares a fim onde agressor poderá ser preso rapidamente de preservar a integridade física e psicológica da vítima;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores de idade, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Medidas protetivas de urgência à própria mulher e seus filhos, como:

I – encaminhá-la com os dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II – determinar o retorno dela e dos dependentes ao respectivo lar, após afastamento do agressor;

III – determinar o afastamento da vítima do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – determinar a separação de corpos

A Convenção Belém do Pará, que trada sobre a violência contra a mulher, determina em seu artigo 7º que os Estados que a assinaram condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência. Isso aprovado no Brasil no ano de 1996. A Lei Maria da Penha nº 11.340/2006 nasceu de uma condenação da Comissão interamericana de Direitos Humanos da OEA decorrente de uma denúncia de inércia, por 19 anos, do Estado Brasileiro em relação à ao caso de violência doméstica. Em 2021 ainda vivenciamos de maneira endêmica a violência contra a mulher.

É impossível não se perguntar: o que acontece com as mulheres que após terem silenciadas a violência psicológica que sofrem, perpetuadas por um sistema machista: ou a mulher que fica privada de seus bens na violência patrimonial e sozinha precisa se refazer de uma relação abusiva que, se não a leva à morte física, lhe faz perpetuar dores psicológicas, perdas materiais e necessidades, de tal sorte que essa mulher, nunca mais, poderá viver em seu estado de tranquilidade e paz existente antes de um relacionamento abusivo? Quando não se rompe o ciclo da violência psicológica, em muitas vezes, a próxima violência é a física, e sexual, até que não mais reste vida às mulheres no Brasil.

CONSEGUIREMOS, COMO SOCIEDADE, RECOSTAR NOSSAS CABEÇAS TRANQUILAS NO TRAVESSEIRO NO DESCANSO QUANDO NOS É POSSÍVEL, SABENDO QUE 3 EM CADA 5 MULHERES NO BRASIL SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, QUE É UMA VIOLAÇÃO DE SEU DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL? CONSEGUIREMOS, COMO SOCIEDADE, VIVER LIVREMENTE ENQUANTO MULHERES ESTÃO SENTENCIADAS A PRISÕES PSICOLÓGICAS E MORAIS TODOS OS DIAS, CONFERINDO AO PAÍS O VERGONHOSO RANKING DO 5º PAÍS MAIS VIOLENTO CONTRA AS MULHERES NO MUNDO?

NÃO PODEMOS.

Relação de serviços da Rede de Enfretamento à Violência Doméstica onde a Mulher pode pedir ajuda. Segue:

1 – Centros de Referência de Assistência Social (CRAS): são unidades de serviços de apoio socioassistencial que desenvolvem trabalho social com famílias, promovendo uma escuta qualificada e sigilosa; encaminhamento às redes de proteção social locais, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família; Programas de Geração de Trabalho e Renda, Auxílio Moradia.

2 – Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS): oferecem serviços públicos especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos (violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial). Escuta qualificada e sigilosa; Encaminhamento para instituições de passagem e acolhida; serviços direcionados para a construção de projetos pessoais e sociais, para a autonomia e sustentabilidade, bem como, para o resgate de vínculos familiares e sociais.

3 – Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAMs): são espaços de acolhimento e acompanhamento psicológico e social a mulheres em situação de violência, que também fornecem orientação jurídica e encaminhamento para serviços médicos ou casas abrigo.

4 – Casas Abrigo (Casas de Acolhimento Provisório ou “Casas-de-Passagem”): oferecem asilo protegido e atendimento integral (psicossocial e jurídico) a mulheres em situação de violência doméstica.

5 – Delegacias Especializadas de Defesa dos Direitos da Mulher

As DEAMs são unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as quais dever ser pautadas no respeito aos direitos humanos e nos princípios do Estado Democrático de Direito.

6 – Delegacias de Polícia

Caso a DEAM esteja fechada (infelizmente elas ainda funcionam apenas nos dias úteis e em horário comercial), é possível procurar qualquer Delegacia de Polícia próxima aos seu domicílio para denunciar a agressão e pedir que sejam tomadas as medidas de proteção necessárias.

7 – Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180

O Ligue 180 é um canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para as mulheres em todo o país, em especial as que sofrem com a violência doméstica e familiar. A ligação é gratuita

Além dos citados acima, é direito da mulher procurar orientação e auxílio jurídico nas Defensorias Públicas do Estado, e também no Ministério Público de sua cidade. Algumas cidades no país contam com Núcleos Especializados na Defesa dos Direitos da Mulher, tanto nas Defensorias Públicas Estaduais quanto nos Ministérios Públicos Estaduais.

[i] Recomendação nº 19 – CEDAW: http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/recommendations/recomm.htm#recom19

[ii] Plano de Ação da CIPD – Cairo 1994:http://www.unfpa.org/public/home/sitemap/icpd/International-Conference-on-Population-and-Development/ICPD-Programme

[iii] Promulgação da Convenção do Pará: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=122009