
Tema foi abordado durante a I Jornada de Direito Antidiscriminatório, promovida pela OAB SP nos dias 19 e 20 de setembro
O Poder Judiciário deve se fundamentar no Direito Antidiscriminatório para evitar decisões baseadas em preconceitos e estereótipos. É o que afirma o professor universitário, pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, também localizada nos EUA, Adilson Moreira, ao explicar como a Justiça pode se tornar mais justa com as minorias. O tema foi abordado na I Jornada de Direito Antidiscriminatório, promovido pela OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo), por meio de sua Comissão de Direitos Humanos, nos dias 19 e 20 de setembro, na sede da Secional.
No primeiro dia de evento, o professor Adilson Moreira, referência no tema e autor do livro “Tratado de Direito Antidiscriminatório”, afirmou que o conhecimento e aplicação da disciplina é de “extrema relevância para o avanço da democracia no país”. Moreira explica que o conceito de democracia está intimamente ligado ao pertencimento social e o reconhecimento da cidadania moral de todas as pessoas. “Todos os indivíduos devem ter acesso aos mesmos direitos”, reforça.
Ao longo de sua apresentação, o especialista mencionou diversas decisões norte-americanas e brasileiras de como as Supremas Cortes, inclusive a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre decisões de casos de pessoas escravizadas, segregação racial, homofobia, ações afirmativas, entre outros. Para o professor, citando uma decisão do Canadá, é importante levar em conta que “se uma norma contribui para subordinação de um grupo, ela deverá ser considerada inconstitucional”.
Ele lembrou que a composição da magistratura brasileira é formada, em grande maioria, por pessoas brancas, heterossexuais, de classes altas, e que não convivem com pretos, por exemplo. “Essas pessoas nunca estudaram Direito Antidiscriminatório na vida. Elas não têm contato com negros, asiáticos e indígenas. Então, se você não tem contato com o outro, que parâmetro ele usará para decidir? Os estereótipos que estão presentes na nossa cultura”, exemplifica.
Sistema prisional
Um dos locais onde a desigualdade racial no Brasil fica mais evidente é no sistema prisional. De acordo com Fabio Pereira Campos, da Amparar (Associação de Familiares e Amigos de presos/as) e militante da Frente Estadual Pelo Desencarceramento SP, “quando uma pessoa não tem acesso aos direitos sociais, ela acaba acessando o sistema prisional”.
“Existe um afastamento gigante entre aquele que julga e quem está sendo julgado. E enquanto não rompermos com esse distanciamento, a Justiça não vai alcançar essas pessoas. A Justiça não lê processo, os juízes leem pessoas, e sem empatia”, disse.
Campos exemplificou a diferença de tratamento de uma pessoa branca e uma negra presa em flagrante com drogas. “Se o juiz conhece a pessoa, se ela frequenta os mesmos lugares, ele vai olhar com empatia, e no máximo enviar a pessoa para uma clínica de drogas. Então essa pessoa está acessando os direitos da Constituição Federal, ela não será presa, agredida, não terá que comer comida estragada, não será submetida a tortura, e nem ficará desempregada”, ressalta.
Direito Antidiscriminatório nos cursos de Direito
De acordo com o professor Moreira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que a matéria se torne uma disciplina obrigatória nos cursos de formação de juízes. Ele disse ainda que os Ministérios Públicos Estaduais e Federais também já estão se movimentando para incluir a formação em seus cursos das carreiras. Para Adilson Moreira, todos os cursos de Direito do país deveriam incluir a disciplina.
O coordenador do Núcleo de Direito Antidiscriminatório da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP e membro da Comissão Especial de Liberdade Religiosa OAB SP, Flavio Campos, também presente na abertura do evento, afirmou que a Justiça vem incluindo o Direito Antidiscriminatório em suas decisões e disse que professores negros são necessários nos cursos de Direito.
Também estavam presentes na mesa o vice-presidente da OAB SP, Leonardo Sica, a diretora secretária-geral adjunta da Secional, Dione Almeida, o diretor tesoureiro da Ordem paulista, Alexandre de Sá Domingues, a conselheira Secional e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, Priscila Akemi Beltrame, a promotora de Direitos Humanos do MPSP, Anna Trotta Yarid, e a defensora pública do Estado de São Paulo, Vanessa Alves Vieira.
A I Jornada de Direito Antidiscriminatório da OAB SP aconteceu nos dias 19 e 20 de setembro, na sede da entidade, localizada na região central da capital paulista, e foi transmitida pelo canal YouTube da Secional. O evento também abordou os seguintes assuntos: proteção jurídica dos povos de terreiro; combate ao discurso de ódio e a ascensão do neonazismo no Brasil; violência obstétrica, direito antidiscriminatório LGBTQIA+; seletividade penal e segurança pública; trajetos de uma comunidade chamada “cracolândia”; tecnologia, desigualdade e direito; e governança corporativa e compliance antidiscriminatório.