Proposta da segunda edição do evento, que aconteceu nos dias 18, 21 e 22 de novembro, foi visibilizar os profissionais negros para além das temáticas raciais
Entre os dias 18, 21 e 22 de novembro, a OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo), por meio de sua Comissão de Igualdade Racial, promoveu o 2º Congresso Estadual da Advocacia Negra. O evento proporcionou encontros, debates e conexões, com o objetivo refletir e celebrar a advocacia negra do estado de São Paulo e suas contribuições nas diversas especialidades do direito e nos temas atualmente relevantes na sociedade.
Ao longo dos três dias do evento, os participantes se dividiram entre palestras, debates, reuniões e apresentação de trabalhos. No encerramento do evento, aconteceu também a entrega do Prêmio Benedicto Galvão, que em 2023 chegou à 12ª edição.
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Grupos de Trabalho
O primeiro dia do Congresso focou em uma imersão em especialidades da advocacia, por meio dos encontros dos grupos de trabalho (GTs) da Comissão de Igualdade Racial. Abertos a todos, independentemente da formação jurídica, os grupos se dividem em quatro áreas: Direitos fundamentais; Direito 4.0; Segurança jurídica, tribunais e sociedade; e Combate ao racismo no sistema de Justiça.
Por meio dos grupos, o Congresso promoveu uma exposição de trabalhos e pesquisas, com o objetivo em comum de explorar novas perspectivas e encontrar soluções abrangentes para os desafios enfrentados pelos profissionais negros.
“É uma oportunidade. Às vezes, a pessoa é a primeira da família a apresentar um trabalho em um congresso acadêmico. Ali, a partir dos comentários dos seus pares, essa pessoa vai melhorar seu trabalho e poder apresentar em outros lugares, ou aprofundar sua pesquisa e, quem sabe, isso pode ser o início de um mestrado, um doutorado. A ideia é plantar essa sementinha, tornar um lugar seguro para que a pessoa se expor”, avalia Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB SP.
Representação e protagonismo
No primeiro dia do evento, a sede da OAB SP recebeu o encontro dos representantes das Comissões de Igualdade Racial das subseções do estado. “Esse momento de reunião serviu para que a gente pudesse celebrar os avanços que tivemos, pra todo mundo se conhecer e pra gente criar essa rede, além de traçar planejamento em conjunto das nossas atividades”, comenta Irapuã Santana.
Já no dia 21, o foco do Congresso foi reunir especialistas negros em debates contemporâneos que abordaram as mais diversas áreas, como sustentabilidade, economia e administração pública. Em seis palestras, foram recebidos mais de dez convidados de todo o Brasil, de maneira on-line, com transmissão pelo YouTube. “As palestras não são apenas para a advocacia negra, os conteúdos são de grande qualidade e podem ser acessados por todos”, pontua o presidente da Comissão.
A importância dessa dinâmica temática vai além, conforme destaca Irapuã: “A gente está mostrando que existem profissionais gabaritados de maneira incontestável para falar sobre temas super atuais e complexos, e que a gente não precisa ser chamado apenas para falar sobre racismo”.
Constituição, municípios e Justiça
No segundo dia, o primeiro tema discutido foi a responsabilidade dos municípios na preservação da cidadania e na efetivação dos direitos humanos. O debate reuniu Lilian Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais e procuradora do município de Salvador, e Fábio Santana, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB SP. O debate contou com a mediação de Rosana Rufino, presidente da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra da OAB SP.
Na leitura de Lilian Azevedo, o principal fator prejudicial para a efetivação dos direitos constitucionais é a falta de uma atuação pública perene e a permanência de políticas ao longo dos anos e trocas de gestões. “É necessário que nós, operadores jurídicos, entendamos essa engrenagem e os planejamentos estratégicos dos municípios”, alerta.
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A economia na advocacia
Na segunda palestra do dia, a vice-presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB SP, Ana Carolina Lourenço, recebeu Danilo Brum, sócio do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados. Com o tema “A Análise Econômica do Direito na Advocacia”, o advogado contextualizou o método que consiste no uso da ciência econômica para interpretação do direito.
Brum ressalvou que esse tipo de análise não se restringe ao âmbito financeiro, e nem reduz o direito a uma tomada de decisão meramente econômica. Nesse sentido, o advogado ressalta a importância do contato profissional com áreas de conhecimento complementares ao direito, como sociologia e antropologia, além da economia. “Para a pessoa que quer inovar, a economia pode ser um elemento diferenciado e competitivo”, aconselha.
Sustentabilidade
O debate sobre sustentabilidade também foi protagonista no Congresso. Na terça-feira (21), a terceira palestra teve como tema “Sustentabilidade na produção energética”, trazendo Jacqueline Jesus, advogada e consultora de práticas ESG e compliance da área de usinas fotovoltaicas da LJ Administradoras, e Larissa Santos, advogada especialista em direito de energia, sendo hoje gerente jurídico do grupo Eletrón Energy.
Jacqueline Jesus destacou que o processo de busca por fontes renováveis de energia envolve todas as esferas da sociedade, sendo necessário repensar a forma como nos relacionamos com a eletricidade – uma vez que, na contemporaneidade, ela diz, essa relação é de profunda dependência.
Para Larissa Santos, o desafio particular da busca por energia sustentável é o seu acesso, uma vez que a efetivação do direito à eletricidade ainda não é realidade em todas as regiões do Brasil. “Hoje nós estamos mais avançados em tecnologias, mas o ideal só é possível com a existência de políticas públicas”, comentou.
Herança digital
O debate sobre herança digital, um dos mais desafiadores para advogados atualmente no que diz respeito à interseção entre o direito e as novas tecnologias, foi outro destaque do 2º Congresso Estadual da Advocacia Negra. Com a contribuição de Jade Barbosa, advogada pós-graduada em direito empresarial, especialista em advocacia racial e conselheira da Jovem Advocacia de São Paulo, a palestra apresentou uma contextualização do conceito que descreve o patrimônio que se constrói em meios digitais, como redes sociais e plataformas, principalmente em casos onde há algum tipo de monetização.
Leonardo Mendonça, advogado pós-graduado em Direito Civil, delineou o caráter de novidade do tema, destacando que ainda não há jurisprudência nem leis específicas para reger a herança digital, apenas decisões de casos específicos que apontam uma base para a regulamentação.
Um exemplo, segundo o advogado, é o Enunciado 687 do Conselho da Justiça Federal, que reconheceu a entrada dos bens digitais no espólio do falecido. Leonardo também citou o PL 1689/21, que propõe a inclusão de artigos no CPC e na lei de direitos autorais relacionados aos bens digitais, em tramitação na Câmara dos Deputados.
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Reforma tributária
Em outro debate muito atual e pertinente à advocacia, o Congresso recebeu Jéssica Mariano, advogada, contadora e especialista em direito tributário e empresarial, para uma palestra sobre a reforma tributária. Na avaliação da especialista, é inquestionável a importância da reforma, considerando a diferença entre o contexto atual e o de concepção do atual sistema tributário do país, datada de 1966. No entanto, ela pontuou, é importante também entender os contornos políticos de sua revisão nos dias de hoje.
Para Jéssica Mariano, a reforma tributária na forma como foi proposta “é sobre consumo”. Ao simplificar os tributos e concatenar impostos, o texto assumiu como objetivo a redução da litigiosidade e a busca pela neutralidade fiscal, mas deixou de considerar políticas que seriam importantes instrumentos para a efetiva correção das desigualdades no país.
Assim, a especialista entende que o novo sistema tributário será bem-vindo, mas ainda não é capaz de auxiliar a transformação da realidade do Brasil, caracterizado como “um país rico em recursos e pobre socialmente”.
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Orçamento público
Em diálogo com o tema anterior, a última palestra do Congresso debateu as políticas e a gestão do Orçamento Público brasileiro. Para o debate, a vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB SP, Caroline Ramos, recebeu Fernanda Cimbra Santiago, assessora especial do Ministro da Fazenda e procuradora da Fazenda Nacional, e Vilma da Conceição Pinto, economista e diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal.
Fernanda Santiago definiu a importância das leis orçamentárias, caracterizando-as como um conjunto de instrumentos que “concretiza direitos”, documentando as escolhas e prioridades de determinado governo. Em sua fala, ela também diferenciou as legislações que regem o tema, como a Lei Orçamentária Anual (LOA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA).
Sob a ótica de sua experiência na Fazendo Nacional, Santiago destacou que hoje, com as novas regras de responsabilidade do arcabouço fiscal, o orçamento público tem a possibilidade de ser mais sustentável com menos austeridade, uma vez que o fator de limitação não é mais o crescimento da inflação. Na avaliação da procuradora, esse contexto é importante para a articulação de políticas públicas e definições de governo.
A economista Vilma da Conceição também apresentou uma contextualização geral sobre os termos, métodos, leis e formatos. A especialista destacou que, além de planejar o uso dos recursos arrecadados pelo governo, o orçamento público tem como objetivo mitigar falhas de mercado. Para Vilma, é preciso encarar de forma mais efetiva a questão do desequilíbrio das contas públicas, e isso é possível por meio dos instrumentos de governança fiscal.