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Setembro Amarelo no Ambiente Corporativo: Saúde Mental, Responsabilidades e Ações à Luz dos Direitos Humanos

By 29 de setembro de 2023No Comments
setembro amarelo

Organizadora: Luciana Portugal
Autoras: Bruna Bezerra, Elma Machado e Maria Avalone
Colaboradora: Alexandra Rodrigues

Introdução

O Setembro Amarelo, mês dedicado à conscientização sobre a prevenção do suicídio, nos convoca a uma reflexão profunda sobre a saúde mental, não apenas como uma questão de saúde pública, mas também como um direito humano inalienável.

Em um mundo cada vez mais globalizado e interconectado, onde as demandas profissionais e pessoais se entrelaçam, a saúde mental dos colaboradores tornou-se uma preocupação central para as empresas. A dignidade da pessoa humana, pilar do ordenamento jurídico brasileiro e internacional, está intrinsecamente ligada à promoção da saúde mental.

E é neste contexto que o papel e a responsabilidade das empresas emergem como temas cruciais quando tratamos de seus colaboradores. Este artigo busca explorar essa relação, destacando a importância de práticas corporativas que valorizem o bem-estar mental e a necessidade de uma abordagem que integre direitos humanos e saúde no ambiente de trabalho.

I. A Saúde Mental no Panorama Global e Nacional

Globalmente, mais de 700.000 pessoas morrem devido ao suicídio a cada ano. Para cada suicídio, há muitas mais pessoas que tentam o suicídio. O suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Setenta e sete por cento dos suicídios globais ocorrem em países de baixa e média renda. Esses números, além de alarmantes, refletem violações diretas ao direito à vida e à saúde, consagrados internacionalmente.

II. A Dignidade da Pessoa Humana e a Saúde Mental

A saúde mental é um direito humano fundamental. Transtornos mentais, como a depressão, podem comprometer a capacidade do indivíduo de exercer plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos e sociais. A promoção da saúde mental e a prevenção ao suicídio transcendem a esfera da saúde, adentrando o campo dos direitos humanos. A dignidade, enquanto valor intrínseco de cada ser humano, é comprometida quando a sociedade falha em prover cuidados e suporte adequados à saúde mental.

III. O Papel das Empresas na Promoção dos Direitos Humanos e Saúde Mental

As empresas, enquanto entidades que operam dentro da sociedade, não apenas têm uma responsabilidade econômica, mas também uma responsabilidade social e ética. Esta responsabilidade estende-se ao respeito e promoção dos direitos humanos, incluindo o direito à saúde mental.

A globalização e a evolução das normas internacionais têm levado a uma crescente expectativa de que as empresas desempenhem um papel ativo na promoção dos direitos humanos. Os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas estabelecem que as corporações têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos e de remediar violações que possam causar ou contribuir.

No contexto da saúde mental, isso significa que as empresas devem adotar uma abordagem proativa, identificando potenciais riscos à saúde mental no ambiente de trabalho e implementando medidas para mitigá-los.

IV. Parecer de uma Profissional da Psicologia sobre a Saúde Mental no Ambiente Corporativo – Por Elma José da Silva Machado

Escrever sobre saúde mental parece ser um desafio em tempos nos quais temos tanta informação, mas também nunca estivemos tão superficiais em relação ao conhecimento. Todos estamos imersos nas águas do saber, porém muitos consideram suficiente apenas molhar os pés e já acreditam compreender o que se esconde nas profundezas dessas águas.

Atuei na área de RH desde meu primeiro ano na faculdade (2006) e, por muito tempo, conciliei o RH com a clínica. Essa vivência me trouxe um olhar diferente sobre o setting terapêutico. Me é familiar quando a maioria dos pacientes reclama da rotina desgastante do mundo corporativo. Os profissionais são constantemente monitorados para avaliar sua produtividade dentro da corporação e, quando adoecem, são facilmente descartados.

Ainda é tabu cuidar da saúde mental. Os profissionais não mencionam seus psicólogos e psiquiatras com a mesma naturalidade com que falam de seus dentistas, dermatologistas e ginecologistas. E, quando adoecem, muitos disfarçam os sintomas por medo de represálias ou demissões.

Mesmo quando há psicólogos à disposição dos funcionários nos RHs das empresas, nota-se uma ocultação da condição mental do paciente. A grande maioria dos pacientes que eu atendo com queixas de depressão, burnout, transtorno de ansiedade, assédio e estresse alega que mente quando são encaminhados aos profissionais de saúde vinculados à empresa.

A razão é o medo de que as informações coletadas sejam usadas para um possível desligamento ou para impedir uma promoção. E, por experiência própria, posso afirmar que muitas empresas ainda utilizam essas informações para avaliar os benefícios que podem obter. Um gestor não deseja em sua equipe um funcionário com risco iminente de ser afastado, prejudicando assim o alcance de suas metas. Assim, o psicólogo dentro das empresas é frequentemente visto como um “espião” dos gestores.

As queixas mais comuns em meu consultório relacionadas à vida profissional do paciente referem-se aos desgastes nas relações de trabalho. A rotina é exaustiva, as metas são elevadas e há um estímulo à alta competitividade no ambiente empresarial, favorecendo o surgimento de gatilhos para crises emocionais.

As queixas mais frequentes dos pacientes ao chegarem ao consultório são sintomas de depressão, transtorno de ansiedade e síndrome de Burnout.

O Brasil é o 5º país com a maior porcentagem de deprimidos no mundo, segundo uma pesquisa da London School of Economics. Dados da OMS afirmam que somos o país mais ansioso do mundo e, de acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de Burnout.

Esses três dados evidenciam o quão danoso nosso ambiente profissional é para o trabalhador. Muitos não encontram no ambiente de trabalho apoio para suas questões emocionais e são poucos os que buscam terapia antes de adoecerem.

Quando chegam ao consultório, as queixas já evoluíram para crises e muitos já estão em tratamento psiquiátrico. Não sou contra a medicação; sempre que percebo que os pacientes não têm capacidade cognitiva ou que os sintomas são tão intensos que impedem a terapia, os encaminho para meus colegas psiquiatras, buscando a melhoria mais rápida possível.

Os problemas têm origens variadas, desde questões familiares potencializadas no ambiente de trabalho até o excesso de estresse profissional. Quando o ambiente laboral não é saudável, ele amplifica e atua como gatilho para crises de ansiedade entre os colaboradores.

Podemos citar diversos fatores que contribuem para o adoecimento do trabalhador: jornadas extensas, cobranças, pressão por resultados, conflitos, entre outros.

Em meu consultório, 87% dos pacientes são mulheres. Dentre elas, 73% têm como queixa o desempenho no trabalho e a preocupação em conciliar vida profissional e pessoal. Elas enfrentam uma rotina exaustiva, dividindo-se entre filhos, casa e carreira. Quando buscam ajuda, muitas já estão tão emocionalmente esgotadas que sentem culpa pelas escolhas que, em outros momentos, as fizeram felizes.

Apenas investindo em saúde mental e desmistificando os programas de desenvolvimento humano nas empresas é que poderemos vislumbrar uma melhoria na saúde do trabalhador. De nada adianta ter um psicólogo na empresa se os colaboradores não se sentem à vontade para se abrir ou se as conversas são superficiais. É essencial que o colaborador se sinta genuinamente acolhido nos programas e que o objetivo seja criar um ambiente de trabalho melhor, e não apenas aumentar a produtividade.

V. A Responsabilidade Jurídica e Ética das Empresas na Promoção da Saúde Mental dos Colaboradores

A legislação trabalhista brasileira, através da CLT e da Constituição Federal, estabelece claramente a obrigação das empresas de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável. Isso inclui a saúde mental. Além das responsabilidades legais, as empresas têm uma responsabilidade ética de cuidar do bem-estar de seus colaboradores.

A saúde mental dos colaboradores tem um impacto direto na produtividade, no engajamento e na satisfação no trabalho. Empresas que promovem a saúde mental reconhecem que o bem-estar de seus colaboradores é intrinsecamente valioso e que um ambiente de trabalho saudável beneficia tanto os colaboradores, quanto a própria empresa.

VI. Ações Recomendadas para Promoção da Saúde Mental no Ambiente Corporativo

É notório que, no cenário atual, caracterizado por intensidade, rapidez e incertezas, o mundo corporativo exerce uma pressão constante sobre os indivíduos. O trabalho, além de ser essencial para a sobrevivência, é um meio pelo qual muitos buscam realização pessoal. No entanto, uma relação insalubre com o ambiente de trabalho pode comprometer a saúde mental do colaborador.

No Brasil, a OMS destaca que transtornos mentais e comportamentais são a terceira causa de incapacidade para o trabalho. Dada a relevância do tema, empresas devem adotar ações proativas para promover a saúde mental de seus colaboradores. Algumas recomendações incluem:

  • Bate-papo virtual com psicóloga: lives ou bate-papos virtuais com profissionais da Psicologia para abordar estratégias de enfrentamento da ansiedade.
  • Grupo de apoio emocional: grupos com um profissional da psicologia para compartilhar vivências e sentimentos.
  • Apoio psicoterapêutico: parcerias com psicólogos ou disponibilização de um profissional de Psicologia na empresa.
  • Canal de escuta: uma linha de comunicação direta para manifestações de ansiedade e insatisfações.
  • Programa de Gerenciamento de Estresse: oferta de encontros para palestras, meditação e técnicas de relaxamento.
  • Blog sobre Saúde Mental: espaço com artigos, vídeos e outros materiais relacionados à saúde mental.
  • Programa Respire: vídeos com dicas de respiração para alívio da ansiedade e estresse.
  • Rodas de conversa sobre suicídio: discussões sobre o tema com especialistas.
  • Incentivo à atividade física: aulas online de alongamento, yoga e exercícios físicos.
  • Incentivo à meditação: dicas e locais para iniciação à meditação.
  • Incentive pausas: momentos de descanso durante o trabalho.
  • Incentive os relacionamentos: ações que promovam a interação entre os colaboradores.
  • Um dia da família no trabalho: encontros para que o colaborador apresente alguém de sua família.

VII – Os Dados são alarmantes

De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em 2022, 209.124 mil pessoas foram afastadas do trabalho no Brasil por transtornos mentais, entre depressão, distúrbios emocionais e Alzheimer, enquanto em 2021 foram registrados 200.244 afastamentos.

O Relatório Mundial de Saúde Mental da OMS, publicado em junho de 2022, mostrou que, em 2019, um bilhão de pessoas viviam com transtornos mentais e, além disso, 15% dos adultos em idade laboral sofreram com algum desses transtornos.

O trabalho amplifica questões sociais que afetam negativamente a saúde mental, incluindo discriminação e desigualdade. O bullying e a violência psicológica, também conhecidos como assédio moral e mobbing, estão entre as principais queixas de assédio no local de trabalho, impactando negativamente na saúde mental.

Publicada em 28 de setembro de 2022, as novas diretrizes da OMS sobre saúde mental no trabalho (“WHO Guidelines on mental health at work”) recomendam que os riscos para a saúde mental no ambiente laboral sejam enfrentados com urgência.

Pela primeira vez, também foi recomendado o treinamento de gerentes, a fim de capacitá-los a responder aos trabalhadores e trabalhadoras em perigo e evitar a construção de ambientes de estressantes.

As diretrizes também recomendam melhores maneiras de acomodar as necessidades dos profissionais com condições de saúde mental, a partir de intervenções que apoiem seu retorno ao trabalho e, para as pessoas com condições graves de saúde mental, que facilitem a entrada no emprego remunerado.

A Convenção de Segurança e Saúde dos Trabalhadores Ocupacional da OIT (Nº 155) e a Recomendação (Nº 164) fornecem estruturas legais para proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores. No entanto, o Atlas de Saúde Mental da OMS constatou que apenas 35% dos países relataram ter programas nacionais de promoção e prevenção da saúde mental relacionado ao trabalho.

VIII – Iniciativas por toda parte

Em 2020, o Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho adotou o tema “Construção do trabalho seguro e decente em tempos de crise: prevenção de acidentes e de doenças ocupacionais”, tornando-se uma referência para a adoção de medidas que as empresas podem aplicar para a promoção e o cuidado com a saúde mental dos trabalhadores.

Um exemplo prático de medida para a promoção e o cuidado com a saúde mental foram ações desenvolvidas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) durante a pandemia, quando a equipe de saúde mobilizou seus profissionais da área de saúde mental (psicóloga, assistente social e psiquiatra), e criou uma central de atendimento aos servidores que necessitam de auxílio psicológico.

Também foram lançadas cartilhas informativas sobre o assunto, além de palestras com enfoque psicoeducacional, rodas de conversa e atividades práticas para estimular o bem-estar físico e mental, com orientação para exercício físico, ginástica residencial e laboral, aulas de alongamento, yoga e meditação. Uma playlist com essas iniciativas está disponível no canal do TST no YouTube.

O Conselho Nacional de Justiça lançou uma cartilha denominada “Saúde Mental e o Trabalho no Poder Judiciário”, onde constam conceitos básicos e algumas táticas para enfrentar os problemas que existem ou que possam surgir. Esse material é uma referência e também pode ser adotado pelas empresas.

A Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho 2023, lançada pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, teve como objetivo fortalecer a cultura de prevenção de acidentes e doenças no trabalho no Brasil, reconhecendo que a saúde mental dos trabalhadores é tão vital quanto sua saúde física destacando, ainda, a necessidade de prevenir problemas psicossociais no ambiente de trabalho.

Por fim, cumpre esclarecer que no Brasil, a síndrome do esgotamento profissional, mais conhecida como Síndrome de Burnout, é descrita no site do Ministério da Saúde (MS), desde 1999, como um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultantes de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. Ainda segundo o MS, a principal causa da doença é o excesso de trabalho.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), entretanto, apenas em janeiro de 2022 reconheceu o burnout como uma doença ocupacional, tendo sido incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS, que deu um passo importante na direção certa para a promoção de ambientes laborais saudáveis e a implementação de estratégias para garantir o bem-estar significativo dos trabalhadores.

Conclusão

A promoção da saúde mental no ambiente de trabalho, vista sob a lente dos direitos humanos, é uma questão de justiça e dignidade. As empresas, ao adotarem práticas que valorizem a saúde mental, não apenas cumprem seu papel social, mas também reafirmam seu compromisso com os valores universais de respeito e dignidade humana.

Referências

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BOTEGA, Neury José. Comportamento suicida: epidemiologia. *Psicol. USP*, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 231-236, dez. 2014.
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Suicídio: informando para prevenir.

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https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/alertas-globais-chamam-a-atencao-para-o-papel-do-trabalho-na-saude-Erika Farias – EPSJV/Fiocruz | 14/04/2023 09h50 – Atualizado em 20/06/2023 acessado em 04.09.23;

World mental health report transforming melntral health for all, World Health Organization, in https://globalwellnessinstitute.org/industry-research/2023-health-happiness-and-the-wellness-economy-an-empirical-analysis. Acesso em 04 de setembro de 2023.

Saúde mental no trabalho: a construção do trabalho seguro depende de todos nós, in https://www.tst.jus.br/-/sa%C3%BAde-mental-no-trabalho-a-constru%C3%A7%C3%A3o-do-trabalho-seguro, acesso em 04 de setembro de 20203;

https://www.cnmp.mp.br/saude_mental/images/downloads/saude_mental_e_trabalho_no_poder_judiciario_cnj.pdf
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br
https://brasil.un.org/pt-br/trabalho