Por Alexandre Ogusuku, Conselheiro Federal e Presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia
Trecho do discurso proferido na Sessão Ordinária do Conselho Secional da OAB SP, realizada em 26/04/2021
A história da Advocacia e a história do Brasil ficou e ficará marcada pela vida e obra de Mário Sérgio Duarte Garcia, uma das maiores lideranças da advocacia e do movimento de redemocratização do Brasil em 1984.
De tempos em tempos a OAB enfrenta um demagógico debate sobre o seu papel institucional, se mais corporativo ou mais integrado na vida política social e econômica do Brasil.
Esse debate, volta e meia, aparece entre nós, com maior destaque quando se tem no governo ditadores ou rascunhos deles. Foi assim com Getúlio, durante toda a Ditadura Militar e, agora, nessa triste quadra.
Para quem ainda tem dúvidas sobre o que é ou o que deve ser a OAB, recomendo visitar o legado de Mário Sérgio Duarte Garcia.
Eleito Conselheiro da OAB SP em 1972, presidiu a AASP e a OAB SP, chegou à presidência do CFOAB no ano de 1983, após disputadíssima eleição com advogado paranaense Alcides Munhoz.
Com o apoio de figuras históricas, como Sobral Pinto, Mário Sérgio foi eleito em segundo escrutínio, após um empate de 13 x 13. Quem desempatou o resultado foi a bancada do Estado do Amapá.
Sobral Pinto mergulhou na campanha de Mário Sérgio com as suas famosas cartas, após veiculação de uma informação de que Alcides Munhoz pagaria as passagens aéreas de conselheiros como tentativa de cooptar votos à sua candidatura.
Naquela eleição, na eleição de Mário Sérgio Duarte Garcia, a imprensa registrou aquela disputa como mais um dos embates entre Raymundo Faoro e Seabra Fagundes. Contado os votos, os jornais da época estampavam em suas páginas: vitória de Fagundes contra Faoro no CFOAB.
A Ordem mais corporativa ou mais política? Esse debate esteve presente na solenidade de posse de Mário Sérgio Duarte Garcia. Enquanto Bernardo Cabral, na sua fala de despedida, indicava uma OAB mais voltada às coisas corporativas, Mario Sergio, enfático, ousou ir além, prometeu não descurar das coisas da advocacia, mas jurou dar seguimento ao movimento de luta pela democracia e pelo estado de direito democrático.
E foi assim que liderou um dos maiores movimentos da história política do Brasil, as Diretas Já. Convidado pelo senador Theotônio Vilella para integrar o comitê suprapartidário das Diretas Já, Mário Sérgio submeteu tal ao pleno do Conselho Federal, que aprovou por unanimidade. Na primeira reunião do comitê, Ulisses Guimarães alçou Mário Sérgio à presidente do movimento Diretas Já, que liderou com absoluta maestria e amplo sucesso.
A luta de Mário Sérgio contra a ditadura e pela democracia lhe rendeu infortúnios. Foi atacado naquela época pelos apoiadores dos generais, injustamente acusado de firmar um contrato irregular com a antiga Fepasa. Revisitando a história de Mário Sérgio foi inevitável compará-la com o que está acontecendo nesse momento com o Felipe Santa Cruz, a maior vítima de Fake News do sistema. Lembrei dos colegas atacados nas megas operações desse País, apenas por defender os seus clientes, dentre eles o aqui presente MHV José Roberto Batochio.
Mário Sérgio Duarte Garcia enfrentou com coragem e sabedoria a invasão do prédio da OAB em Brasília por militares liderados pelo General Newton Cruz, prédio esse incendiado depois. Desafiou todos aqueles que assassinavam advogados, cujo caso de maior fama foi o do colega Tobias Granja, nas Alagoas, do então presidente seccional Marcelo Lavenère.
Sob a presidência de Mário Sérgio Duarte Garcia, ainda que com críticas dos conselheiros mais à direita do espectro político, o CFOAB ousou pautar questões da política econômica do regime militar, como o contrato do Banco Central com banqueiros estrangeiros. Deu uma declaração que de nada adiantaria a Ordem lutar pela democracia e não debater as soluções aos problemas sociais do povo brasileiro.
Sob a batuta de Mário Sérgio Duarte Garcia o CFOAB empregou uma gestão não personalíssima, com jornais sem fotos e pompas. Me faz lembrar do nosso atual presidente Caio Augusto Silva dos Santos, avesso aos personalismos acentuados pelas redes sociais. Mário Sérgio e Caio Augusto, presidentes de gerações diferentes que guardam em comum o republicanismo democrático.
Sem temor, Mário Sérgio desafiou o STF, quando não compareceu na homenagem prestada ao Min. Alfredo Buzaid ao tempo de sua aposentadoria. Ao ser convidado para a solenidade na Suprema Corte, Mário Sérgio submeteu tal ao pleno do CFOAB, que aprovou, por unanimidade, a ausência da OAB na comenda, tudo porque, quando Min. da Justiça, Buzaid não economizou esforços para submeter a OAB ao controle do Ministério do Trabalho.
Teve que enfrentar também o caso da devolução da medalha Ruy Barbosa pelo saudoso Sobral Pinto.
Tempos depois, entrevistado como Membro Honorário Vitalício sobre as relações entre a advocacia e o judiciário, foi de Mário Sérgio o colóquio: “a OAB tem feito mais pelo Judiciário do que o Judiciário tem feito pela Ordem.”
Com uma visão irretorquível do sistema OAB, Mário Sérgio visualizava, como de fato é, os Conselhos Estaduais e as subseções mais ligados às coisas próprias da profissão e o CFOAB mais aberto e afeto à defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos e da cidadania. Era e continua sendo uma posição correta do sistema.
Ao cabo dessas lembranças finalizo com uma de suas entrevistas: a Ordem tem que continuar dizendo as coisas que precisam ser ditas, manter coerência com a sua história e com os valores construídos ao longo de sua existência. Concluiu afirmando que a OAB quer, o objetivo da OAB, é o Estado de Direito pleno e ela deverá combater com veemência todas as ameaças contra esse querer.
Parabéns, Presidente Caio pela homenagem que rende nessa oportunidade ao nosso inexcedível Presidente Mário Sérgio Duarte Garcia.
A morte não nos assusta, mas deixa marcas profundas que superaremos no dever, na obrigação, de dar continuidade à obra de Mário Sérgio Garcia.
Que Mário Sérgio Duarte Garcia inspire para todo o sempre a advocacia e o povo brasileiro!