Presos em Brasília, como todos, têm direito a condições dignas no cárcere
O mundo dá voltas. Nos últimos dias, aqueles que sempre atacaram os direitos humanos reclamam o seu respeito intransigente em defesa dos autores dos atos de barbárie ocorridos no dia 8 contra os três Poderes.
Os idealizadores e responsáveis pelos atos antidemocráticos, os mesmos que ao longo dos últimos quatro anos defenderam a volta da ditadura e a tortura, finalmente compreenderam que a Declaração Universal de Direitos Humanos deve ser aplicada à pessoa que vê seus direitos sendo desrespeitados.
Parlamentares que sempre defenderam o endurecimento penal contra a criminalidade, e para os quais “bandido bom é bandido morto”, agora buscam a proteção de direitos individuais e condições dignas de encarceramento para os presos no ato golpista de Brasília.
Para nós, defensoras de direitos humanos, todos e todas, sem distinção, têm o direito à ampla defesa, ao devido processo legal e a condições dignas de aprisionamento.
No entanto, o sistema de Justiça criminal é extremamente seletivo, marcado pelo racismo estrutural. A população carcerária, formada majoritariamente por pretos e pobres, vive sob condições desumanas em prisões superlotadas e sem acesso à saúde, educação e justiça. Esse conjunto de ilegalidades e afrontas à dignidade humana forma o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que cautelarmente.
Há anos organizações de direitos humanos, coletivos de familiares de pessoas presas, defensorias públicas e também a OAB SP, por meio da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária, vêm denunciando as violações de direitos fundamentais na condução dos processos penais e nos cárceres. Do início ao fim, as violações são sistemáticas: abordagens policiais discriminatórias, prisões em flagrante ilegais, provas frágeis, falta de acesso à defesa de qualidade, violência institucional, comida estragada, mulheres que entram em trabalho de parto algemadas, epidemias de tuberculose (doença já dizimada há anos na sociedade), pessoas dormindo em pé, castigos coletivos, infestação de percevejos, privação de água, pena de fome e sede, além das dificuldades impostas aos familiares dos presos.
Toda essa realidade absolutamente estarrecedora não costuma atrair a atenção da opinião pública, salvo diante de um cenário em que pessoas brancas de classe média são presas. Nessa hora, dá-se evidência às violações de direitos fundamentais da população carcerária que vêm sendo cometidas rotineiramente por um Estado opressor e punitivo.
Quem valoriza ou trabalha com direitos humanos sabe a importância de se preservar as garantias individuais ao longo do processo penal e no cumprimento da pena. Não importa se a pessoa é de esquerda, direita ou centro. Não importa o crime que cometeu, tampouco se é culpada ou inocente; os direitos devem ser preservados, sempre. Pois quando o aparato punitivo não garante esses direitos a todos e todas, nós ficamos menos democráticos. Que bom que o mundo dá voltas.
Não importa se a pessoa é de esquerda, direita ou centro. Não importa o crime que cometeu, tampouco se é culpada ou inocente; os direitos devem ser preservados, sempre. Pois quando o aparato punitivo não garante esses direitos a todos e todas, nós ficamos menos democráticos. Que bom que o mundo dá voltas
Marina Dias, presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB SP;
Priscila Akemi Beltrame, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP;
Claudia Rosenberg Aratangy, coordenadora do Núcleo de Inspeções a Unidades Prisionais da OAB SP;
Alexandra Rodrigues, conselheira do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).