Evento contou com as presenças da presidente da OAB SP; do conselheiro federal Alberto Toron, do defensor Gustavo Junqueira; e do desembargador Luiz Antonio Cardoso
Na noite de quarta-feira, 28, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP) realizou o evento “Da Saída Temporária ao Exame Criminológico: Aspectos Controvertidos do PL Nº 2253/2022”, com o intuito de discutir com especialistas sobre a “PL das saidinhas”.
O debate foi mediado pelo advogado criminalista e presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB SP, Leandro Lanzellotti de Moraes. A mesa contou com as presenças da presidente da OAB SP, Patricia Vanzolini; do conselheiro federal da OAB por São Paulo, Alberto Zacharias Toron; o mestre e doutor em Direito Penal, professor da graduação e pós-graduação da PUC SP e defensor público, Gustavo Junqueira, e o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Luiz Antonio Cardoso.
Patricia Vanzolini abriu o evento. Ela ressaltou a importância do debate para a advocacia em meio à intensa repercussão que o assunto tem gerado. “Conseguimos fazer um evento de última hora, seguindo o ritmo do que acontece no país. Precisamos falar sobre esse Projeto de Lei que pretende acabar com a saída temporária, que é preocupante. Só cresce a preocupação com a segurança pública, mas o terreno será fértil para medidas populistas, que ferem uma série de direitos. É o momento exato para debater esse assunto e ouvir as contribuições dos maiores especialistas do país, que recebemos aqui”, pontuou.
Contextualizando a respeito da PL, Leandro Lanzellotti de Moraes explicou a relação do projeto com a trágica morte do sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, baleado durante uma perseguição na zona norte de Belo Horizonte (MG). O autor do crime tinha em sua ficha criminal 18 registros por delitos variados, e estava em liberdade temporária de fim de ano quando cometeu o assassinato. Em homenagem ao sargento, o projeto foi batizado de Lei Sargento Dias.
Além disso, o presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária refletiu sobre a proposta limitar a saída temporária apenas a um grupo de condenados.
“A aprovação pela Comissão de Segurança Pública do Senado, do projeto de lei 2253 de 2022, já endossado pelo Senado Federal, vem da Câmara Federal com uma abordagem bastante rigorosa, com foco na eliminação da saída temporária. Esta proposta limita a saída temporária apenas aos condenados por crimes violentos ou hediondos, ao invés de aboli-la por completo. Assim, aqueles envolvidos em crimes como tráfico de drogas não terão acesso à saída temporária, enquanto os condenados por corrupção ativa e passiva poderão beneficiar-se desse direito”, criticou Moraes.
95,5% dos presos retornam da saída temporária
Gustavo Junqueira deu sequência ressaltando a significativa taxa de reincidência positiva de presos que retornam após saídas temporárias. No estado de São Paulo, 34.547 presos saíram temporariamente para passar o período do Natal com suas famílias em 2023, destes, 32.981 retornaram (95,5%).
Abordando a questão do exame criminológico, Junqueira destacou a anterior obrigatoriedade e sua posterior revogação, enfatizando como o exame não impactava nos índices de reincidência e servem como um meio de procrastinação do processo. Ele também falou sobre a importância da saída temporária, para que o sujeito possa se restabelecer na sociedade.
“A saída temporária é vital para permitir que o sujeito faça uma retomada com sua rede de contato, é o tempo de conseguir um trabalho, se restabelecer na sociedade, essa é a ideia e isso é absolutamente essencial. Querer que o sujeito saia sem nenhum tipo de amparo e reconexão com a sua rede não faz o menor sentido”, disse Junqueira.
O desembargador Luiz Antonio Cardoso, com mais de 15 anos de experiência em execução criminal, destacou o retrocesso na legislação com a possibilidade da extinção da saída temporária e da obrigatoriedade do exame criminológico. Ele também ressalta a importância da OAB SP realizar um evento sobre o tema.
“Não é a saída temporária que aumentou a criminalidade no Brasil, nós não temos esse indicativo, da mesma forma me refiro ao exame criminológico. Essa determinação que a lei está impondo agora é um retrocesso, por restabelecer o exame criminológico como regra em um Estado que não tem condições de realizar. Que bom que a OAB SP discute esse tema, não por acaso, que a nossa constituição estabelece que o advogado é essencial à administração da justiça. Razão deste evento”, afirmou o desembargador.
Alberto Toron encerrou a discussão destacando a conexão entre boa parte da sociedade e a exclusão social dentro do sistema penal. Segundo ele, o ambiente prisional não é uma escola de crime, mas sim um lugar onde indivíduos sofrem com a perda de liberdade. Assim como Junqueira, o especialista ressaltou sobre a importância da ressocialização e capacitação dos detentos para evitar a reincidência criminal e promover a segurança pública.
“Temos que encarar a realidade de frente. Não podemos ignorar que uma parte significativa da criminalidade está relacionada à exclusão social. Isso não significa que vamos ficar de braços cruzados. Pelo contrário, devemos enfrentar o problema da exclusão social, que é a raiz dessa criminalidade. Não adianta pensar que medidas punitivas resolverão tudo. Precisamos agir em duas frentes. No entanto, há uma grande falácia nessa história. Quando falamos em ressocialização dos criminosos, estamos buscando reduzir a reincidência e garantir a segurança pública”, destacou Toron.
‘Sou uma sobrevivente’
Após o debate, o evento abriu espaço para manifestações do público presente, com destaque para o relato de Camila Felizardo, assistente social e ex-reclusa do sistema penitenciário.
“Sou uma sobrevivente do cárcere e acho que tenho propriedade na fala. Como dito nesse debate, a saidinha temporária é um processo de ressocialização. Estamos falando da inclusão de pessoas que nem foram incluídas na sociedade antes de serem presas. Elas não tiveram seus direitos constituídos de acordo com a lei, como saúde, educação, lazer e trabalho, e os poucos direitos que as pessoas têm, ainda querem retirar. A cadeia não é perpétua, e estamos falando de quase 1 milhão de pessoas presas, enquanto sociedade, precisamos pensar em como acolher essas pessoas, porque uma hora elas vão sair”, concluiu Felizardo.