NOTA DE REPÚDIO
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB SP) e seu Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas vêm a público manifestar sua preocupação com relação ao denominado “Pacote da Destruição”, conjunto de Projetos de Lei (PLs) em votação no Congresso Nacional e que violam diretamente as garantias constitucionais e os direitos humanos dos povos indígenas do Brasil, especialmente os PLs que objetivam facilitar o acesso à mineração em suas terras tradicionais.
Sob a alegação de que as dificuldades para a importação de fertilizantes provenientes da Rússia em razão da guerra em curso na Ucrânia ensejariam a aprovação de medidas “urgentes” para a busca de maior autossuficiência na produção de fertilizantes, vêm sendo acelerados os trâmites dos projetos que reduzem a proteção às terras indígenas e que frontalmente violam os parâmetros legais internacionais e nacionais, especialmente aqueles que cuidam especificamente sobre a mineração e exploração de terras indígenas, uma vez que referidas terras tradicionais, consoante tal argumentação, conteriam o maior número de reservas de potássio e fosfato – ingredientes básicos para a produção dos fertilizantes agrários.
Assim, por determinação do presidente da Câmara dos Deputados, em 9 de março de 2022, o PL 191/2020 foi submetido à votação sem que tivesse sido apreciado e discutido em qualquer comissão técnica, menos ainda ouvidas as lideranças indígenas. O requerimento de urgência desse projeto foi aprovado por 279 votos a favor e 180 votos contrários.
Segundo estudos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Instituto Socioambiental (ISA), apenas 1,6% das jazidas de potássio e 0,4% das jazidas de fosfato se encontram em terras indígenas. Ou seja, a grande maioria dos depósitos de potássio e fosfato se localizam fora desses territórios. Além disso, apesar de uma eventual escassez fragilizar uma parte do setor econômico brasileiro, isso não tem o condão de retirar as garantias constitucionais dos povos indígenas, como o usufruto exclusivo de suas terras tradicionalmente ocupadas competindo à União proteger e fazer respeitar todos os seus bens (artigo 231, Constituição Federal de 1988 [CF/88]).
Além disso, conforme o artigo 231, §6º, da CF/88, são nulos os atos que tenham por objeto a exploração das riquezas naturais do solo de terras indígenas, ressalvado o relevante interesse público da União, que deve ser demonstrado e segundo o que dispuser lei complementar. Ou seja, mesmo em situações excepcionais em que seria permitida a exploração minerária em terras indígenas, há um rito a ser seguido.
Outrossim, o §3º do artigo 231 da CF/88, que se busca regulamentar com o PL 191/2020, exige, ainda, que as comunidades afetadas pela lavra de riquezas minerais sejam previamente ouvidas, tal como também determinado pela Convenção n° 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo 6º, da qual o Brasil é signatário.
É válido lembrar que a eventual aprovação do referido “Pacote da Destruição” pelo Congresso Nacional – composto pelo PL 2159 (licenciamento ambiental), PL 2633 e PL 150 (grilagem), PL 490 (marco temporal), PL 191 (garimpo) e PL 6299 (pacote veneno) – poderá causar prejuízos econômicos ao Brasil, já que a maioria dos países estão cientes acerca das violações ambientais aos biomas brasileiros, bem como sobre os impactos etnocidas sobre os povos indígenas e quilombolas.
Recorde-se que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida de todos, constituindo dever do Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (artigo 225, CF/88).
A OAB SP, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos e seu Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas, estará atenta ao desenrolar dos referidos PLs, atualmente em curso sob regime de urgência no Congresso Nacional, de modo a que os povos indígenas e quilombolas do Brasil não sofram ainda mais espoliações por meio da aprovação de leis que afrontem seus direitos previstos na Constituição da República de 1988.
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB SP
NÚCLEO DE DIREITOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS