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O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o pioneirismo que inspira as próximas gerações

By 25 de julho de 2022No Comments

Por Caroline Ramos e Julia Paulo Pereira*

No dia 25 de julho celebra-se o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data é reconhecida pela ONU após muita luta pelas mulheres que realizaram o 1º Encontro de Mulheres afro latino-americanas e afro-caribenhas em Santo Domingo, no dia 25 de julho de 1992. O dia é um marco para dar visibilidade à luta das mulheres negras contra a opressão de gênero, exploração e racismo, ainda presentes em nossa sociedade.

Já no Brasil, a data serve para homenagear Tereza de Benguela, líder quilombola do século XVIII, símbolo da luta contra a escravização de pessoas negras no Brasil. Tereza liderou o quilombo do Quariterê por décadas e ficou conhecida também por trazer inovações na organização política e de defesa do quilombo.

A data representa a luta de mulheres negras em face de diversas opressões infligidas por uma sociedade racista e machista. Contudo, aproveitamos esse espaço para falar de algo que vai além de dor e luta: exaltar mulheres negras pioneiras em suas áreas de atuação a fim de inspirar não só as gerações seguintes, mas também as mulheres que lutam diariamente por um mundo mais igualitário e que respeite as suas particularidades.

Começamos por Enedina Alves Marques, graduada em Engenharia Civil em 1945 pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, tornando-se a primeira mulher engenheira do Paraná e a primeira engenheira negra do Brasil. Em 1947 foi transferida para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica. Lá, Enedina trabalhou no Plano Hidrelétrico do Paraná e atuou no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu. Para muitos, a Usina Capivari-Cachoeira foi seu maior feito como engenheira. Destaca-se, entre outras obras, o Colégio Estadual do Paraná e a Casa do Estudante Universitário de Curitiba.

Apesar de vaidosa, Enedina ficou conhecida durante a obra na Usina por usar macacão e portar uma arma na cintura para se fazer respeitada, pois, além de ser mulher trabalhando num ambiente majoritariamente ocupado por homens, era negra.

Também não podemos deixar de destacar a professora Sonia Guimarães do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), primeira mulher negra a receber o título de doutora em física no Brasil. Sonia fez curso técnico em edificações durante o ensino médio e graduou-se em Física pela UFSCar, sendo a primeira pessoa da família a completar o ensino superior. Seu objeto de pesquisa sempre foram os semicondutores, que são a base do funcionamento dos dispositivos microeletrônicos presentes nos celulares e computadores, por exemplo.

Seguindo a nossa exaltação, não podemos deixar de mencionar uma das maiores referências do mercado financeiro atual. Roberta Anchieta é Diretora de Administração Fiduciária do Banco Itaú e iniciou a sua carreira profissional como trainee na mesma instituição, aos 19 anos. Para além das funções profissionais, que incluem a liderança de mais de 50 pessoas, Roberta ainda se dedica a tratar de diversidade e discutir sobre o tema.

Em entrevista para um portal de economia, em 2019, quando ainda ocupava o cargo de Superintendente, Roberta ponderou que tem a percepção que as empresas estão mais comprometidas com as questões da diversidade em comparação com a época que marcou o início de sua carreira.

Outra profissional que merece destaque é a comissária Laiara Amorim Borges, que participou da idealização do coletivo “Quilombo Aéreo”. O coletivo tem o objetivo de dar visibilidade e chamar a atenção para os tripulantes pretos e pretas que estão inseridos na Aviação Civil.

Laiara, estudante de pilotagem, optou por ser comissária porque não sabia que uma mulher poderia pilotar um avião. Essa visão mudou quando conheceu uma comandante feminina em Salvador. Desde então, Laiara tem trabalhado e estudado para um dia comandar a cabine de avião. Ela reconhece que a trajetória, além de difícil, é extremamente custosa e, por essa razão, afirma que as ações afirmativas e os incentivos estão possibilitando sua formação.

A futura pilota não se enxerga como pioneira, pois entende que seus ancestrais realizaram voos dentro de seu próprio contexto de possibilidades. Reconhece que ocupar esse local é uma forma de manifestar e de enfrentar as opressões causadas pelas desigualdades de gênero e raça.

Observa-se que as mulheres pretas estão ocupando espaços tradicionalmente masculinos e brancos. Ainda assim, após mais de 30 anos do 1º Encontro em Santo Domingo, o cenário está longe de ser igualitário.

Essas histórias revelam que é possível, mas nem de longe é fácil. Destacar o pioneirismo dessas mulheres é mostrar que, por mais clichê que possa parecer, representatividade importa muito. Ver mulheres pretas em espaços que anteriormente não eram cogitadas é inspirador e desperta a esperança de outros futuros possíveis, reforçando a frase de Angela Davis, “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

*Caroline Ramos e Julia Paulo Pereira são respectivamente vice-presidente e membra da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB SP