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Nota técnica sobre o Substitutivo ao PLC 158/2017

By 31 de maio de 2022No Comments
OAB SP desenvolverá Programa de Mentoria em Direito do Terceiro Setor

NOTA TÉCNICA SOBRE O SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 158/2017[1]

que dispõe sobre o incentivo fiscal às doações realizadas a organizações gestoras de fundo patrimonial, constituídas nos termos da Lei 13.800/2019, e sobre sua tributação; altera a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995; a Lei n° 9.250, de 26 de dezembro de 1995; a Lei n° 9.532, de 10 de dezembro de 1997; e dá outras providências.

 

I – CONTEXTO LEGISLATIVO

Os Fundos Patrimoniais, também conhecidos como Fundos Filantrópicos ou Endowments, são fundos criados por Organizações da Sociedade Civil (OSCs) sem fins econômicos, constituídas nos moldes definidos pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – Lei nº13.019/2014 – para receber doações privadas com a finalidade de preservar o patrimônio doado para garantir, de forma perene, a geração recursos para as causas de interesse público a que se destina, no longo prazo.

Posteriormente, o tema foi reafirmado por meio da Lei nº 13.800/19, que dispõe sobre a constituição de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público e social, executados por instituições públicas ou por OSCs.

Ocorre que a Lei nº 13.800/19 foi aprovada com vetos referentes aos incentivos fiscais a doações voltadas aos Fundos Patrimoniais e foi silente quanto ao tratamento tributário aplicável às Organizações da Sociedade Civil, titulares dos referidos Fundos, denominadas pela Lei como Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais (OGFP).

Tais vetos deixaram lacunas que deram margem a diversas interpretações e geraram dúvidas sobre a aplicabilidade, às OGFPs, das normas relativas à imunidade de impostos e à isenção de tributos, já presentes na legislação brasileira para as OSCs, o que ensejou a formulação de uma consulta perante a Receita Federal do Brasil (RFB), questionando o direito das OGFPs à imunidade de impostos sobre sua renda, seu patrimônio e seus serviços e à isenção de outros tributos, nos termos da legislação aplicável.

Em 29 de setembro de 2021, a RFB publicou a Solução de Consulta COSIT nº 178/2021, que formalizou o entendimento do órgão no sentido de que a imunidade prevista na Constituição Federal é uma imunidade subjetiva, a qual é atrelada ao sujeito passivo titular da imunidade e que a OGFP não se confunde com a instituição apoiada de assistência social ou educação, razão pela qual ela não estaria apta ao benefício.

Ocorre que tal interpretação, além de restritiva, mostra-se equivocada, uma vez que é a própria OGFP que faz jus à imunidade, por seu objetivo social de promover a educação, saúde e assistência social, não se confundindo com a imunidade também aplicável às instituições apoiadas. Não há embasamento legal que afaste o direito à imunidade de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços e à isenção de tributos das OGFPs que tenham por finalidade a promoção de causas de interesse público voltadas à educação e/ou à assistência social.

Acertadamente, o senador Rodrigo Santos Cunha apresentou seu substitutivo ao Projeto de Lei Complementar nº 158/2017 (PLC 158/2017), visando à (i) previsão de norma interpretativa que busque esclarecer o correto tratamento tributário a ser dado às OGFPs sujeitas à Lei nº 13.800/2019, à luz do ordenamento vigente; e (ii) a permissão da aplicação dos incentivos fiscais já previstos no ordenamento jurídico pátrio também para essas organizações, tal como fez a Lei 13.800/19 para os fundos patrimoniais que apoiem a cultura, estendendo, assim, os incentivos fiscais já existentes na legislação atual a todas as causas apoiadas por fundos patrimoniais.

Conforme se verá a seguir, é de suma importância que o substitutivo ao PLC 158/2017 seja integralmente aprovado, para que se aplique o correto tratamento tributário a ser dado às OGFPs sujeitas à Lei nº 13.800/2019, incluindo as fundações de apoio a elas equiparadas, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, da referida Lei, e se evite longos anos de insegurança jurídica em disputas judiciais.

 

II – RAZÕES PARA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO AO PLC 158/2017

 

II.1 – Previsão de norma interpretativa que busque esclarecer o correto tratamento tributário a ser dado às OGFPs sujeitas à Lei nº 13.800/2019, à luz do ordenamento vigente

Considerando as lacunas existentes na Lei nº 13.800/2019 acerca da aplicabilidade do direito à imunidade de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços e à isenção de tributos das OGFPs que tenham por finalidade a promoção de causas de interesse público voltadas à educação e/ou à assistência social, bem como o entendimento da RFB sobre o tema, formalizado na Solução de Consulta COSIT nº 178/2021, a aprovação do substitutivo ao PLC 158/2017 se mostra indispensável, para que sejam esclarecidas as obscuridades na interpretação do ordenamento vigente em conjunto com a Lei nº 13.800/2019 e ordenadas normas interpretativas.

Acerca das normas de caráter interpretativo, o Código Tributário Nacional (CTN) em seu artigo 106, I, dispõe que “a lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”. Em outras palavras, entende-se como norma interpretativa aquela que não altera o conteúdo ou elemento da norma interpretada, mas que apenas traduz e explicita o seu significado.

Nesse sentido, em relação ao tratamento tributário a ser dado às OGFPs sujeitas à Lei nº 13.800/2019, legislação tributária vigente deve ser interpretada no sentido de tais organizações: (i) terem a tributação de sua própria atividade definida com base na causa de interesse público a que se destinam – se causas imunes, devem ser imunes a impostos; se causas isentas, devem ser isentas a impostos; (ii) terem direito à isenção da COFINS, já prevista na legislação vigente[2], sobre todas as receitas previstas no artigo 13 da Lei nº 13.800/2019, enquanto próprias das suas atividades; (iii) poderem investir a parcela do principal do fundo patrimonial[3] tanto no exterior quanto em participações societárias, sempre de maneira transparente e pública a respeito dos princípios inerentes, se isso se mostrar a estratégia mais conveniente para perenizar e rentabilizar o patrimônio do fundo patrimonial, sem que isso afaste seu direito à imunidade ou à isenção de impostos, pois a aplicação dos recursos previstos na manutenção dos objetivos institucionais[4] diz respeito à parcela dos rendimentos[5]; (iv) poderem remunerar a valor de mercado os membros de todos os seus órgãos de governança, sem afetação ao seu patrimônio, se isso se mostrar necessário à boa gestão da instituição, sem que isso afaste seu direito à imunidade ou à isenção[6].

 

II.2 – Previsão de isenção de Imposto de Renda sobre Aplicações Financeiras para OGFP sujeitas à Lei nº 13.800/2019

Outro ponto relevante trazido pela proposta de Substitutivo foi a extensão da isenção de Imposto de Renda incidente sobre aplicações financeiras para as OGFPs que se dediquem a causas de interesse público, mesmo aquelas que não sejam abrangidas pela imunidade constitucional, tal como ocorre com os fundos de pensão e previdência complementar sujeitos à Lei nº 11.053/2004[7].

A legislação do imposto de renda vigente no País procura incentivar que pessoas físicas e jurídicas mantenham aplicações financeiras de mais longo prazo, por meio de reduções progressivas de alíquota ou de isenção de referido imposto, como política de incentivo econômico ao mercado de capitais, necessário ao desenvolvimento econômico do País.

Ora, os fundos patrimoniais têm o dever fiduciário de gerar rendimentos e de preservar seu principal, de forma que são investidores estruturantes e de longo prazo nos mercados de capital internacionais. E, ao contrário dos fundos de pensão, os fundos patrimoniais não devolverão o principal de seu patrimônio a associados ou instituidores, mas destinarão perpetuamente seus rendimentos ao sustento de causas de interesse público.

 

II.2 – Regulamentação da aplicação dos incentivos fiscais já previstos no ordenamento jurídico pátrio às OGFPs

A Lei nº 13.800/2019, em sua atual redação[8], prevê a possibilidade de utilização apenas de incentivos fiscais voltados à área da cultura, nos termos da Lei de Incentivo à Cultura.

No entanto, a legislação tributária atual elegeu outras causas de interesse público como beneficiárias de incentivos fiscais que estimulem a doação, como a educação, ciência, tecnologia, pesquisa, inovação, esporte, os direitos da criança, adolescente e idosos.

Nessa linha, e considerando a experiência internacional sobre o tema, o substitutivo ao PLC 158/2017 prevê a ampliação da utilização dos incentivos fiscais já existentes no ordenamento jurídico para fruição por pessoas físicas e jurídicas que pretendam apoiar com recursos públicos incentivados a formação dos Fundos Patrimoniais, mantendo os limites já previstos pela legislação para os investimentos/doações a serem realizados com as leis de incentivo.

 

III – CONCLUSÃO

Conforme exposto na presente Nota Técnica, somos da opinião que as normas propostas pelo texto do Substitutivo apresentado pelo senador Rodrigo Cunha:

  • nos artigos que trazem interpretação da legislação, estão de acordo com a legislação tributária vigente e têm o condão de evitar disputas contenciosas alongadas e trazer maior segurança jurídica à formação e ao desenvolvimento dos fundos patrimoniais;
  • no artigo que estende a isenção do imposto de renda sobre aplicações financeiras às OGFPs, terá a função de atrair capital privado para ser investido em aplicações financeiras de longo prazo, com restrição de uso da parcela de seu principal, para gerar rendimentos para causas de interesse público, o que justifica a desoneração tributária;
  • nos artigos que tratam dos incentivos fiscais à doação, a proposta não representa renúncia de receita que demanda a elaboração de estimativa de impacto orçamentário-financeiro ou a criação de novas fontes de recursos respeitando, portanto, a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como “Lei de Responsabilidade Fiscal”, e tem o mérito de estender o benefício fiscal a outras causas e não apenas à cultura; ressaltamos que a ampliação do acesso a incentivos fiscais já existentes e subutilizados tem o potencial de criar, no País, um ambiente fértil para o desenvolvimento dos Fundos Patrimoniais, além de contribuir para o estímulo da cultura de doação como mecanismo de fortalecimento da sociedade civil e do desenvolvimento social.

Por todo o exposto, a aprovação do Substitutivo ao PLC nº 158/2017 pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal é imprescindível para que se esclareça e se garanta o correto tratamento tributário às OGFPs sujeitas à Lei nº 13.800/2019, incluindo as fundações de apoio a elas equiparadas, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, da referida Lei, e se evite longos anos de insegurança jurídica em disputas judiciais e é extremamente favorável ao estímulo às doações aos fundos patrimoniais, que podem cumprir um papel relevante para o fomento filantrópico das causas de interesse público do País.

Sendo o que nos cumpria para o momento, despedimo-nos, colocando a nossa Secional à disposição para eventuais debates sobre o tema.

 

São Paulo, 31 de maio de 2022

 

Laís Vanessa Carvalho de Figueirêdo Lopes

Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB SP

 

[1] Esta manifestação foi elaborada com o apoio de Priscila Pasqualin, Bruna Campos, Alexandre Moreira, Erika Spalding, Ana Carolina Carrenho, Camila Mazzer Aquino e Fernando Quintino, todos integrantes da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB SP, a quem agradecemos terem se debruçado sobre o assunto.

[2] Medida Provisória 2.158-35/01, artigo 14, inciso X

[3] Tal como definido na Lei 13.800/19, artigo 2º, inciso V

[4] Tal como exigido pelo Código Tributário Nacional, artigo 14, inciso III e Lei 9.532/97, artigo 12, §2º, alínea b

[5] Tal como definido na Lei 13.800/19, artigo 2º, inciso VI c/c artigo 16

[6] Tal como permitido pela Lei 13.204/15, artigo 4º

[7] A Lei nº 11.053/2004, que dispõe sobre a tributação dos planos de benefícios de caráter previdenciário e dá outras providências, em seu artigo 5º, concede isenção do IRRF e do IRPJ sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos de planos de benefícios de entidade de previdência complementar, sociedade seguradora e FAPI, bem como de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência.

[8] Artigo 13, §9º “As doações efetuadas por meio das modalidades de que tratam os incisos II e III do caput do artigo 14 desta Lei são alcançadas pelos artigos 18 e 26 da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro 1991, desde que estejam em conformidade com o mecanismo previsto pelo inciso III do caput do artigo 2º da referida Lei”.