NOTA PÚBLICA
A Comissão de Direitos Humanos da OAB SP, por meio de seu Núcleo da Memória, repudia veementemente as infames palavras do vice-presidente da República, proferidas nesta data (18 de abril de 2022), alertando que o passado não é passado (William Faulkner), mas se impõe sobre o tempo presente por meio da vigente violência de Estado comprometedora do regime democrático e conclama a advocacia brasileira, bem como toda a sociedade, a defender a verdade, a memória e a justiça.
A divulgação, pela imprensa, a partir da pesquisa que vem sendo desenvolvida pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que revela em torno de dez mil horas de gravações de diálogos e debates entre ministros do Superior Tribunal Militar (STM), durante sessões de julgamentos de presos políticos durante o regime militar, representam mais uma importante fonte de prova, desta vez oficial, sobre a sistematização de torturas, sevícias e crimes lesa-humanidade praticados por agentes da ditadura militar instaurada por golpe de Estado, em 1964.
São gravações que abarcam sessões do STM durante momento de graves ofensas a direitos humanos praticadas pela ditadura militar, e que permaneceram secretas até 2011, quando o advogado Fernando Augusto Fernandes obteve decisão no plenário do Superior Tribunal Federal (STF) para que as centenas de fitas de rolo com as gravações fossem disponibilizadas ao público.
Ao contrário do que se possa concluir, não se cuida, em mais este caso de comprovação dos crimes cometidos pela ditadura militar, apenas da abordagem sobre um passado distante e sem consequências para o país e para a sociedade brasileira.
Mais do que isso, ainda existem famílias sem saber onde estão os corpos de seus filhos e filhas, sequestrados pelo regime, em evidentes casos de crimes que se protraem no tempo; a tortura e o extermínio ainda fazem parte da realidade brasileira, especialmente atingindo as populações negras, indígenas e pobres do país, para as quais não existem investigações, estado de direito e devido processo legal; os perpetradores e torturadores ainda vivos prosseguem impunes, apesar dos crimes contra a humanidade cometidos no regime de terror de 1964. Nesse sentido, o Brasil ocupa posição de atraso e constrangedora, quando considerados os exemplos dos países vizinhos e seus processos de Justiça de Transição.
As declarações pronunciadas pelo vice-presidente da República sobre a divulgação das gravações das sessões no STM assumem dimensões graves e que passam a compor o rol de infâmias contra a civilização e contra a humanidade, demonstrando que o Estado brasileiro sistematizou a prática de crimes contra a humanidade em face cidadãos presos clandestinamente, de mulheres grávidas e contra toda a sociedade civil, ainda resistindo em assumir sua responsabilidade histórica.
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DE SÃO PAULO
Núcleo da Memória