Palestra da escritora Ruth Manus foi destaque em evento comemorativo da Ordem paulista, que tem a primeira presidente mulher em mais de 90 anos de história
A Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP) realizou, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres, o evento Presença Feminina: Corpos e Vozes Ocupando o Espaço, nesta sexta-feira (8), na sede da entidade. Com o objetivo de debater e ampliar o impacto das mulheres na advocacia e em diversas esferas da sociedade, a celebração contou com um discurso de abertura da presidente da OAB SP, Patricia Vanzolini, a primeira mulher no cargo mais alto da entidade em mais de 90 anos de história.
“O Dia da Mulher, muitas vezes, é associado a flores. E o que são flores? Flores são sementes que germinam. Hoje a gente celebra o fato de ocuparmos esses espaços, de termos chegado até aqui [na presidência da OAB SP]. Eu cheguei aqui de mãos dadas com muitas outras mulheres. Mas não basta estarmos aqui, temos que nos manter aqui. Nós não chegamos por favor, por concessão ou por bondade, foi por nossa capacidade. O mundo só tem a ganhar conosco”, afirmou.
A presidente ainda pontuou que o evento é uma oportunidade para a celebração das potências e capacidades femininas. “É no reconhecimento do nosso talento que a gente vai encontrar força para seguir em frente e conquistar todos os espaços”, concluiu.
A secretária-geral adjunta da OAB SP, Dione Almeida, também constituiu a mesa que abriu a solenidade. “Nós somos diferentes e, por sermos diferentes, formamos esse timaço invencível. Hoje é dia de celebrar as nossas meninas e mulheres, ratificando o compromisso de deixar para cada uma delas uma OAB, uma advocacia e um país mais seguro e respeitoso para se viver”, disse.
O evento foi promovido pela Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) da OAB SP. A presidente da Comissão, Isabela de Castro, agradeceu a presença das mais de 400 pessoas que compareceram ao evento, sendo a imensa maioria do gênero feminino.
“Quero que todas vocês se sintam parte dessa mesa. Esse evento é de todas nós, para que estejamos aqui ocupando espaço e para que tenhamos voz, um eco alcançando mais e mais pessoas. Essa transformação social vem através da nossa fala. Ninguém mais vai aceitar ser silenciada, todo mundo precisa se expressar”, declarou a advogada.
Além de Vanzolini, Almeida e Castro, também compuseram a mesa solene da celebração do Dia das Mulheres Adriana Galvão, presidente da CAASP; Erika Cassinelli Palma, presidente OABPrev-SP; Daniela Libório, conselheira federal e presidente da Comissão Nacional de Direito Urbanístico; Sarah Hakim, conselheira secional e vice-diretora da ESA SP; Ana Carolina Lourenço, conselheira secional e vice-presidente da CMA; Heloisa Helena, conselheira secional e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB SP; Marcia Rocha, conselheira secional; e Larissa Brito de Souza, membro da Comissão da Jovem Advocacia da subseção de Ribeirão Preto.
Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas!
O evento da OAB SP em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres contou com uma palestra da escritora e colunista Ruth Manus sobre o tema “Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas!”. Em sua fala, Manus, que também é advogada, abordou o orgulho que sente em ter se graduado no Direito.
“A gente é muito importante. A gente quebra tantas barreiras todos os dias. Mulher advogada é briguenta e tem que ser, porque está tudo errado da porta para fora. Nenhuma mulher nasceu para ficar quieta e a gente, enquanto advogadas, abre portas para as mulheres que não estão habituadas a falar”, alegou.
A escritora também falou sobre o senso comum de que o valor feminino está sempre atrelado a outra pessoa: “existe um convencimento, desde que a gente é criança, de que o nosso valor não está em nós mesmas, está no agregado que a gente traz. Um marido, um filho, um neto… Já o valor de um homem está no que ele é, no time que ele torce, no trabalho que ele exerce. Cada vez que a gente insiste em um relacionamento que não vai bem é porque a gente sente que sozinha a gente perde o valor”.
Em sua fala, Ruth Manus abordou a chamada carga mental e o trabalho de cuidado que as mulheres precisam exercer dentro de seus lares e de suas famílias. Segundo Manus, é preciso normalizar homens que exercem tarefas domésticas, sem glorificá-los apenas por serem o que ela chama de “adultos funcionais”.
“A gente não pode aceitar certos tipos de comportamento só porque somos ensinadas de que são naturais. Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas. Existe uma partilha muito injusta das tarefas da casa”, disse. A palestrante reforçou, ainda, que a carga mental existe mesmo em ambientes de privilégio, exemplificando que mesmo uma mulher que possui uma empregada doméstica ainda assim exerce a função de cuidado, ao planejar as tarefas da casa e delegar as atribuições à funcionária.
A escritora defendeu que as mulheres precisam se unir, sem julgamentos ou opressões entre si. “É 2024, a gente está tentando se salvar de um apocalipse. A gente não tem tempo para julgar outras mulheres, falar da maternidade alheia, do trabalho alheio, da roupa alheia, da celulite alheia… Enquanto a gente está fazendo isso, os homens estão se reelegendo”, apontou.
Ruth Manus apresentou cinco termos para que a advocacia feminina fique atenta, a fim de identificar atitudes masculinas errôneas no ambiente de trabalho e na vida privada. São eles: mansplaining, manterrupting, bropriating, hepeating e gaslighting.
O primeiro termo, mansplaining, segundo a escritora, nada mais é que “um homem explicando qualquer coisa que você não pediu explicação”. O manterrupting acontece quando a mulher tenta falar, mas é interrompida por vozes masculinas. Bropriating é quando um homem se apropria da ideia de uma mulher. Já a palavra hepeating faz referência a quando, em uma reunião de trabalho, por exemplo, um funcionário repete o que a colega estava dizendo.
Por fim, gaslighting – que Manus aponta como a atitude mais grave – é quando um homem tenta convencer uma mulher de que seus comportamentos são descontrolados, descabidos, desproporcionais. “Isso acontece todos os dias. Quem nunca ouviu ‘você está louca’ ou ‘vai se tratar’ ou ‘se controla’? Um homem gritando é um homem bravo. uma mulher gritando é uma mulher doida. A gente cai nessa cilada todos os dias. A gente tem medo de parecer megeras. E sabe qual é a grande surpresa? A palavra megera não existe no masculino. Homem nenhum tem medo de parecer megero, porque megero não existe. Por isso não tenham medo de parecer megeras, exerçam a autoridade que vocês têm”, afirmou Manus.
Antes de finalizar sua palestra, a escritora reforçou a importância de apontar quando um homem comete alguma dessas atitudes de desigualdade de gênero. “O futuro não é feminino. Eu me recuso a aceitar que somos uma geração perdida. O presente é feminino, nós temos que mudar o mundo para a gente, não para nossas filhas e netas. Por isso, a gente precisa falar. Cada vez que a gente aponta uma coisa errada, um homem vai pensar duas vezes antes de fazer isso com outra mulher”, concluiu.
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!
A Comissão das Mulheres Advogadas realizou uma homenagem a todas as advogadas presentes no evento chamando ao palco três lideranças da OAB SP para representá-las: a presidente da CMA da subseção de Santa Isabel, Ingrid Zanin; a coordenadora da 20ª região, Patrícia Amanda Soares; e a presidente da OAB Francisco Morato, Vanessa Missiano.
“A OAB só é uma potência por conta de cada um dos 365 mil advogados que estão no nosso estado. Não importa se a subseção é pequena, se está longe, se é modesta, ela importa para a gente porque ela tem advogados que fazem parte dessa construção”, disse Isabela de Castro, presidente da CMA.
Ao fim do evento, Patricia Vanzolini subiu ao palco para entoar uma canção composta por seu avô, o zoólogo e compositor Paulo Vanzolini. A música com o nome “Volta por Cima” foi ressignificada e ganhou novos versos na voz da presidente da OAB SP.
“Chorei, não procurei esconder. Todos viram. Fingiram pena de mim, não precisava. Ali onde eu chorei qualquer um chorava. Dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava. Mulher de moral não fica no chão, porque tem outra mulher que lhe dá a mão. Reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!”, cantou.