*Reportagem original publicada na área de Notícias da CAASP.
Uma amostra representativa dos advogados e das advogadas que buscaram a plataforma de saúde mental CAASPsico, lançada em abril mediante parceria da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo com a Bee Touch, startup de atenção psicológica, permite mensurar o quanto a advocacia, ou parte dela, é suscetível a transtornos mentais, tanto mais em tempo de pandemia, isolamento social e trabalho remoto. Os resultados apurados (AQUI) perante uma amostra de 274 pacientes revelam que 53,89% apresentam sintomas depressivos e que, de modo até surpreendente, questões de trabalho preocupam mais que a Covid-19 em si.
“Enquanto a prevalência de depressão na população em geral fica em torno de 5%, a nossa amostra apresentou uma taxa de quase 54% de sintomas depressivos. Esse número é elevado até quando comparado com populações clínicas, de ambulatórios e internações, cujas taxas ficam em torno de 12%”, afirma Sibele Faller, diretora científica da Bee Touch, ressalvando não se tratar de diagnósticos, mas de avaliações iniciais de sintomas.
“Acreditamos que o contexto de pandemia e todo seu impacto na vida diária da advocacia tenham incrementado esses problemas”, salienta a psicóloga.
Dentre o público avaliado, 23% apontaram o trabalho como principal fonte de estresse. O coronavírus aparece em segundo lugar, com 21%.
“Quando o protocolo de avaliação foi criado, a expectativa era de que a Covid-19 fosse referida como a maior preocupação entre os respondentes. Ocorre que a situação provocada pela pandemia alterou drasticamente a relação das pessoas com suas atividades laborais. O trabalho está sendo realizado de forma remota por mais de 60% da amostra. As atividades realizadas on-line e à distância recrutam novas habilidades – como aprender a manusear recursos tecnológicos – e exigem que se desempenhe uma boa gestão de tempo e foco, fazendo com que o indivíduo precise encaixar na rotina suas atividades domésticas, demandas da família e do trabalho. Há também a parcela que não está trabalhando – 7% estão desempregados e 7% precisaram adiar a realização de suas atividades. Foi uma grande mudança e essa adaptação tem causado estresse entre os advogados”, explica Faller.
Outro dado relevante é que 49% dos pacientes pesquisados tomam medicamentos ansiolíticos e 37%, antidepressivos.
“Não temos como afirmar se essas pessoas tomam a medicação com prescrição e na dose correta. Sabe-se que em períodos de crise os indivíduos podem acabar fazendo uso abusivo de substâncias e medicamentos. Esse também é um motivo para a realização do acompanhamento psicológico”, observa Faller.
O tratamento combinado -farmacoterapia e psicoterapia -, segundo a especialista, é recomendado em transtornos como a depressão. “É importante que se realize esse tratamento de forma correta para que se alcance um controle dos transtornos e de seus sintomas. A psicoterapia tem papel fundamental nesse tratamento, pois é ela que vai auxiliar o paciente a desenvolver formas mais eficazes de resolver seus problemas e lidar com essa realidade que nos foi imposta”, orienta.
A ansiedade, também prevalente entre o contingente pesquisado, é outro fator desencadeador da depressão. Segundo Sibele Faller, “ansiedade e depressão são irmãs de mesma mãe e mesmo pai”, sendo difícil distinguir em que ponto uma termina e outra começa, já que os sintomas frequentemente se confundem.
“Alterações no sono, apetite, memória, atenção, por exemplo, estão presentes nos dois grupos de transtornos. Transtornos depressivos e de ansiedade costumam estar associados e, geralmente, indicam um quadro mais grave, crônico e com maiores taxas de recaída. Por isso que é tão importante realizar acompanhamento psicológico, ainda mais nesse contexto em que estamos vivendo, com tantos fatores precipitadores de estresse”, discorre a psicóloga.
Fato é que, mais dias, menos dias, a atual crise sanitária e econômica passará, e os transtornos psicológicos registrados entre a advocacia podem voltar a níveis menos alarmantes.
“Esperamos que, controlada a pandemia, os sintomas e os problemas psiquiátricos e psicológicos também diminuam. De qualquer forma, é importante que essa população permaneça sendo monitorada e que os atendimentos em saúde mental continuem sendo ofertados”, alerta a diretora científica da Bee Touch.
Com mais de 10 mil acessos, a plataforma CAASPsico foi apontada como case de sucesso em evento internacional sobre saúde mental realizado virtualmente de 25 a 27 de junho. O serviço de atenção psicológica foi apresentado durante a Conferência Internacional “Respostas dos Psicólogos aos Desafios da Covid-19: Uma Resposta Especial para um Tempo Especial”, da qual participaram alguns dos mais renomados especialistas mundiais.
Segundo a diretora da CAASP Raquel Tamassia, diretamente envolvida no projeto, “a entidade, na atual gestão, inseriu a saúde psicológica da advocacia entre suas prioridades, face à gravidade e à recorrência dos casos de colegas que necessitam de apoio”. Para Tamassia, “os números de acessos à plataforma confirmam o acerto da iniciativa”.
Proposta inovadora, a CAASPsico permite o rastreio do risco em saúde mental por meio de um software de avaliação psicológica. “São disponibilizados materiais psicoeducativos desenvolvidos com base nos dados coletados. Os resultados revelam que a população atendida tem vulnerabilidade a depressão e ansiedade, sofre impacto negativo da hiperconectividade, com problemas de sono, procrastinação e humor negativo como consequência das redes sociais. Estes aspectos têm sido foco do tratamento psicológico”, descreve Ana Carolina Peuker, sócia-fundadora da Bee Touch.
“O apoio psicológico é um recurso que pode ser acessado independentemente de a pessoa sofrer de um transtorno psiquiátrico. Muitas vezes, contribui para que uma dificuldade emocional, um período de estresse, como este acarretado pela pandemia, não culmine em um problema grave, como a depressão ou a síndrome do esgotamento, chamada Burnout”, explica Peuker.
Acessível pelo site da Caixa de Assistência (www.caasp.org.br), o serviço é indicado para quem deseja obter apoio psicológico ou mesmo aqueles interessados em informações científicas sobre saúde emocional. A advocacia também tem acesso a cartilhas e e-books sobre bem-estar e ao “estressômetro” – um teste on-line para aferir o nível de estresse. O acesso a tudo isso é gratuito. Quem necessita de atenção individualizada pode recorrer a orientação on-line com profissionais de psicologia na própria plataforma, todos credenciados ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) – mais de 1 mil consultas já foram realizadas. O preço da consulta é menos de 50% do valor praticado no mercado.
“Eu não dava conta das mudanças; estávamos dentro da casa e com nossa renda reduzida”
“Sou ansiosa, mas nunca tive um diagnóstico de transtorno de ansiedade em si. O que acontece é que, com a pandemia, eu não estava dando conta de todas as mudanças. De repente, todos – eu, meu marido e minha filha – estávamos dentro de casa e com 50% da nossa renda comprometida, já que meu marido teve o salário reduzido, um imóvel meu alugado foi entregue pelo locatário e ficou vazio. Entre outras coisas, como a minha filha tendo aula on-line e a gente tendo que dar o suporte a mais aos estudos dela, minha irmã contraiu Covid-19 nesse meio tempo.”
O relato acima, feito à reportagem pela advogada Letícia Lefevre, de 42 anos, é ilustrativo dos problemas que acometem a maioria das pessoas que, como ela, procuraram a CAASPsico.
“Antes de pandemia começar, eu já pensava em buscar alguma forma de apoio psicológico. Quando eu encontrei a plataforma da CAASP, com excelentes profissionais e, principalmente, um preço acessível, não tive dúvidas de que era hora de tirar aquela ideia do papel”, conta. E prossegue: “Hoje, meu marido também faz o atendimento via CAASPsico. Ele viu o quão bem eu estava por conta das sessões e se abriu, quebrou paradigmas e começou a fazer as sessões”.
Aos 56 anos, a advogada V.M. prefere não expor seu nome. Acometida pelas síndromes de Borderline, de Burnout e do pânico, em boa dose por causa do estresse profissional, já fazia tratamento psicológico antes de procurar CAASPsico.
“Desde que a pandemia começou, meu estresse aumentou. Eu cuido dos meus pais – meu pai tem Alzheimer e minha mãe sofrdee DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica). Eles são do grupo de risco e todos os cuidados de higiene têm de ser reforçados por conta do coronavírus. Além disso, fico muito preocupada com os prazos dos processos e isso me prejudica demais emocionalmente – esse é um dos pontos que estamos trabalhando nas sessões da CAASPsico”, conta a advogada. E continua: “No meu caso o acompanhamento recorrente com um profissional é fundamental e a plataforma da CAASP me permite ter acesso a esse atendimento com um valor excelente e com uma profissional de currículo irretocável”.
V.M. lembra que, tempos atrás, ela temia que a terapia e os medicamentos psiquiátricos limitassem sua via. Tal percepção mudou: “Antes, eu era uma pessoa extremamente estourada, muito nervosa, e isso acabava atrapalhando as minhas relações, principalmente, a familiar. Hoje, sou mais tranquila”.
“Considero esse o melhor benefício oferecido pela Caixa de Assistência”, elogia o advogado Bruno de Souza Ramos, de 28 anos, referindo-se aos serviços da CAASPsico. Ele já fazia acompanhamento psicológico antes da pandemia, mas as sessões, exclusivamente presenciais, foram interrompidas.
“Comecei o tratamento para lidar com estresse e ansiedade, mas com o tempo percebi o quanto era importante para minha vida como um todo. É difícil medir o quanto é positivo, mas eu diria que hoje não me imagino sem acompanhamento psicológico”, descreve.
Ramos relata que, no começo da pandemia, teve dificuldade de se adaptar ao home office. “Não conseguia separar casa e trabalho e isso gerava muita ansiedade. Hoje, me considero muito mais adaptado, rendendo mais e melhor, justamente porque o acompanhamento me ajudou a perceber os fatores que desencadeavam meu estresse e minha ansiedade e a controlá-los”, diz. E concita: “Se eu pudesse deixar uma mensagem para quem ainda está reticente a fazer um acompanhamento psicológico, eu diria que muitas vezes a gente espera que as coisas venham de fora, quando essa ação precisa vir de dentro”.