Este 17 de maio, Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia, é uma daquelas efemérides que pede ao mesmo tempo por celebração e luta. Foi nesta data que, em 1990, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade uma doença, reconhecendo-a como uma das expressões que compõem o amplo leque de desejos e a diversidade sexual presentes no comportamento humano. É também neste dia que deve ser lembrada a triste realidade de violência, discriminação e até cerceamento de direitos que a comunidade LGBTQIA+ ainda tem de enfrentar por culpa do preconceito.
“Ainda temos uma fossa abissal a superar entre aquilo que está escrito, ainda que em jurisprudência, e a realidade prática de acesso e garantia das pessoas LGBTQIA+ aos seus direitosfundamentais previstos na Constituição de 1988, entre os quais a não discriminação, a igualdade e a liberdade”, afirma a advogada Marina Ganzarolli, especialista em diversidade e presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB SP.
Ela lista algumas das dificuldades das instâncias de não reconhecimento dos direitos dessa população, como exemplo o fato de muitos filhos e filhas de casais do mesmo sexo não contarem com o nome das duas pessoas que compõem o casal em seu registro de nascimento, ou o constrangimento que pessoas trans sofrem ao terem seu nome social retificado ao usar o pagamento e transferência instantânea do PIX.
“Estes são os obstáculos de cunho burocrático, característico de um “cistema”, isto é, um sistema projetado para atender apenas à parcela cisgênero e de famílias heteronormativas”, nota a advogada. Mas ressalta: “Sem dúvida os maiores obstáculos seguem sendo a discriminação, o preconceito e a violência que muitas vezes acaba por ceifar a vida das pessoas LGBTQIA+”.
As pessoas LGBTQIA+ vivem no Brasil um cenário contraditório.O país faz parte de um grupo minoritário de países do mundo que reconhece – por jurisprudência, provimentos e resoluções – uma série de direitos a essa população. Mas, por outro lado, é o país com maior taxa de violência e agressão contra pessoas LGBTQIA+. Em 2020, o Braasil completou o 12º ano como o país do mundo em que mais se assassinam pessoas trans, segundo dados registrados pela “Trans Murder Monitoring”, da Organização Transgender Europe (TGEU).
No geral, dados oficiais que quantifiquem a violência contra pessoas LGBT+ no país são escassos. A maioria dos levantamentos é feita por organizações de movimentos sociais, como é o caso do Grupo Gay da Bahia e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), com base nos crimes que são noticiados pela mídia anualmente, ou por pesquisadores independentes, como foi o caso do Dossiê Sobre Lesbocídio, publicado em 2018.
Mas, em 2020, um levantamento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as secretarias de Atenção Primária em Saúde e de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) trouxe dados estarrecedores. A pesquisa coletou as notificações feitas pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do SUS, e mostrou que a cada hora uma pessoa LGBTQIA+ é agredida no Brasil. O estudo também apontou que as pessoas negras LGBTQIA+ são alvos de metade dos registros de violência analisados.
Como se sabe, em 13 de junho de 2019 o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na lei 7.716/89 (Lei do Crime Racial) e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe. Criminalizar uma conduta não resolve o problema, como se vê por várias outras condutas criminalizadas que continuam sendo praticadas, mas certamente a decisão ajuda a trazer consciência e a reduzir em alguma medida condutas LGBTfóbicas.
Para Marina Ganzarolli, o Estado brasileiro ainda precisa investir em “políticas públicas de segurança, saúde e, principalmente, de educação inclusiva e para diversidade, que ajudem na prevenção às violências e discriminações contra LGBTQIA+”.
Ainda há muito trabalho pela frente, como prova o ocorrido no último dia 14 de maio. Benny Briolly, primeira vereadora transexual eleita em Niterói, na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, anunciou sua saída do país por conta de reiteradas ameaças à sua integridade física.