Na ocasião, houve o lançamento do livro ‘O Consumidor e o Choque com o Futuro’; palestras ainda falaram sobre superendividamento e inclusão digital
No Dia do Consumidor, 15 de março, a OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo) promoveu o II Congresso Anual de Defesa do Consumidor. Especialistas presentes celebraram a relevância do Código de Defesa do Consumidor, instigando a reflexão sobre os impactos do crescimento do comércio digital e a falta de regulação em algumas áreas.
Uso de inteligência artificial, uso de dados e o poder dos algoritmos estiveram entre os temas tratados. O evento teve abertura do vice-presidente da OAB SP, Leonardo Sica, e de Ellen Gonçalves, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB SP.
A primeira fala foi de Frederico Fernandes Moesch, coordenador-geral de Estudos e Monitoramento de Mercado da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). O advogado lembrou que o trabalho dos Procons se soma à ação de nível nacional da secretaria, que utiliza dados que vão gerar decisões e iniciativas de políticas públicas.
“Quando a Senacon se dá conta de que há o mesmo problema em diferentes regiões, a reclamação se torna uma questão de atuação nacional e é quando iniciamos com notificação, que pode gerar multa ou indenizações”, explica Moesch.
A Era digital
Rodrigo Tritapepe, professor de Direito do Consumidor e ex-diretor da Fundação Procon de SP, convidou a advocacia a fazer debates jurídicos profundos sobre a legislação vigente. Ao longo de sua palestra, ele listou as questões que considera as mais urgentes, como a falta de conhecimento do consumidor sobre uso de dados e segurança na Internet.
“Quando uma pessoa faz uma compra em um site falso, ela não sabe para onde vão todos aqueles dados, que são sensíveis”, lembra o professor. “Pelo lado do fornecedor, ele precisa saber porque ele está coletando essas informações e quem vai cuidar delas”, completa Tritapepe.
A regulação das plataformas de venda online e o comércio feito por empresas estrangeiras são outros pontos delicados na visão do professor. “Hoje, um produto é vendido, ou surge uma nova BET e ela diz na nossa cara que não responde juridicamente no Brasil”.
Nas redes sociais, o professor chama atenção para a falta de responsabilização dos influenciadores digitais, que oferecem produtos, sem saber da real eficácia deles.
Tanto o cuidado do acesso de crianças à Internet quanto à exclusão digital de idosos, deficientes e de famílias sem recursos devem ser uma preocupação a quem atua com Direito do Consumidor. “O que fazer por quem não tem acesso, não consegue navegar? O direito do consumidor rege sobre os princípios da dignidade humana, fala de um grupo gigantesco de pessoas que não encontram seu espaço na Internet”, afirma o professor.
Livro reúne artigos sobre o futuro do consumo
Na ocasião, foi lançado o livro “O Consumidor e o Choque com o Futuro”, parte da Coleção OAB SP, pela editora Tirant. A obra reúne 11 artigos sobre o tema sob coordenação dos mestres Maria Inês Dolci, presidente da Consumare – Organização Internacional de Associações de Consumidores da Língua Portuguesa e Países Membros da CLP, e Alexandre Peres Rodrigues, professor do ESEG – Grupo Etapa.
“Esperamos que o livro seja um farol para esse futuro tão distópico, de despersonalização do consumo e das relações sociais. Há pessimismo, mas, como advogados, temos de ter audácia para discutir e entender esses novos fenômenos”, afirmou Rodrigues.
Com a palestra homônima ao livro, Marcelo de Souza do Nascimento, que chefia o Procon-DF, vê que a vulnerabilidade do consumidor, citada em lei, aumentou muito com a chegada da tecnologia. “Os contratos digitais são muito complexos e extensos. A maioria das pessoas concorda com os termos sem ler seu conteúdo”, alerta o advogado.
Por sua experiência no atendimento à população, Nascimento relata que muitos não querem ser obrigados a acessar canais digitais. “Eles querem sair com um papel na mão, um protocolo. Disponibilizamos computadores, ajudamos a criar e-mail, mas as empresas precisam ter canais físicos para atender a essas pessoas”, defendeu Nascimento.
Superendividamento e bancos
Maria Inês Dolci, presidente da Consumare, mediou as demais palestras que iniciaram com o tema superendividamento. O mestre em Direito Constitucional Fabrício Bolzan de Almeida mostra que essa é uma área do Direito bastante demandada, já que, segundo pesquisa da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), quase 80% das famílias no Brasil estão endividadas.
“Quem está começando na carreira jurídica, esse é um bom nicho para se investir. Pode pensar que o cliente não terá dinheiro para pagar, mas é algo que você ganhará na ação”, ressaltou Bolzan.
Para facilitar a abordagem dos advogados, Bolzan lançou o livro “Direito do Consumidor Esquematizado”, com 16 modelos de peças práticas sobre a questão do superendividamento. “Qualquer consumidor tem que ter 70% de seu salário para pagar gastos essenciais como moradia, alimentação, educação e saúde. Os outros 30% devem ser para montar um plano de pagamento”, explica o advogado.
“Isso só pode ser feito se for comprovado que o consumidor não agiu de má-fé. Geralmente, o cliente é iludido quando oferecem créditos e acaba se endividando cada vez mais”, esclarece Bolzan.
Como não é simples chegar à melhor conta de quitação de dívidas, Bolzan conta haver um software em desenvolvimento para chegar nesse cálculo. “Não é como uma calculadora. A ideia é que se responda a algumas questões e, com base nesses dados, seja feito esse cálculo a ser apresentado ao juiz para facilitar um acordo com o fornecedor”, conta o advogado.
Mauricio Bunazar, membro consultor da Comissão de Juristas responsável pela Reforma do Código Civil, ministrou a palestra “Encerramento unilateral de conta bancária”. Ele conta que era um advogado civilista, mas teve de começar a estudar a área de consumo devido às altas demandas que chegavam ao seu escritório.
Bunazar explica que, quando é feito um contrato, os pactos devem ser respeitados. Mas, é possível extinguir o contrato unilateralmente? A resposta é sim, segundo Bunazar. “Há duas hipóteses: se estabelece uma cláusula na qual as partes podem, a qualquer momento, pedir pelo fim do contrato ou nos contratos por tempo indeterminado, é possível rescindi-lo”.
No último painel, “Desafios Atuais do Mercado do Consumo Digital”, o advogado e professor Bruno Miragem falou sobre a relação dos idosos com a tecnologia. “A dificuldade de compreensão em muitos sites não ajudam o consumidor a entender o que ele está comprando”.
Miragem explicou que, muitas vezes, o consumidor tenta comprar algo pelo celular ou pelo próprio notebook e fica implícita uma cobrança indevida. “Eu mesmo outro dia fui comprar uma passagem aérea e tinha um quadrinho, o qual era uma taxa que eu não conseguia desmarcar. Na necessidade de resolver rápido e para não comprar presencialmente, acabei pagando a taxa. Isso é ilegal”, enfatizou o advogado.