Recuperar a memória pode promover reencontro do Brasil com a democracia
Nesta terça-feira, 16 de abril, o movimento das Diretas Já completa 40 anos. A OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo), com seus 92 anos de trajetória, foi parte atuante de diversos momentos emblemáticos da história do Brasil e teve um papel ativo no processo de redemocratização do país,
Há 40 anos, a Ordem presidiu o comitê suprapartidário que reuniu partidos políticos, sindicatos, artistas, estudantes e membros da sociedade civil brasileira pelo direito ao voto. Sua sede, inclusive, serviu de concentração para o histórico comício do Vale de Anhangabaú, que reuniu mais de 1 milhão de pessoas e marcou um dos momentos cívicos mais relevantes do país.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, a presidente da OAB SP, Patricia Vanzolini, e o vice-presidente, Leonardo Sica, debatem a importância de se manter viva a memória do movimento Diretas Já para a promoção de um novo encontro do Brasil com a democracia. Confira abaixo o texto na íntegra:
Diretas Já: lembrar para avançar
Recuperar a memória pode promover reencontro do Brasil com a democracia
Por Patricia Vanzolini e Leonardo Sica
Abril de 1984 ficou marcado pelas grandes manifestações políticas de rua. No dia 10, milhares de pessoas ocuparam a Candelária, no Rio de Janeiro, com a mensagem “Eu quero votar para presidente”. Há exatos 40 anos, no dia 16, em São Paulo, ocorreu o histórico comício do Vale do Anhangabaú, ato final das Diretas Já, movimento cívico que mudou o Brasil.
A emenda do voto direto foi rejeitada pelo Congresso Nacional, dias depois, mas a mobilização teve resultados expressivos: demarcou o fim da ditadura e abriu portas para a Constituição de 1988 e para as eleições diretas em 1989. Foi o primeiro grande encontro da nossa República com a democracia.
O impacto do movimento foi resultado de uma firme estratégia de articulação e coesão da sociedade civil, reunida sob o Comitê Suprapartidário, formado por partidos políticos, centrais sindicais, entidades, artistas, estudantes etc. Por escolha de todos esses atores, o comitê foi presidido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), comandada pelo saudoso Mário Sérgio Duarte Garcia. Numa sociedade dividida, desconfiada e traumatizada pelo regime autoritário, era necessária uma voz imparcial, apartidária e de moderação para coordenar as Diretas Já. A OAB foi, naquela quadra da vida nacional, o centro de entendimento que o país necessitava.
A pressão pelo voto direto se desdobrou no pacto político que firmou o Estado democrático de Direito como nosso modo de vida nas décadas seguintes. Agora, 40 anos depois, nos deparamos com dúvidas quanto ao futuro da democracia representativa. Arroubos extremistas desafiam democracias mundo afora. Autocratas conseguem se impor com apoio no voto popular e avançam sobre as instituições. Estudiosos vêm dissecando o que chamam de crise ou recessão democrática.
No Brasil, a polarização político-afetiva, o tribalismo que fragmenta a sociedade e campanhas de desinformação confrontam nossa democracia que, embora jovem, resiste com vigor.
Esse cenário impõe que nossas instituições se conectem com as novas demandas que pressionam as democracias: emergência digital, diversidade, desigualdade e ausência de perspectivas de progresso e bem-estar. E, para a OAB, por coerência, é imperioso superar a resistência ao voto direto para escolher seu presidente nacional e, assim, se recolocar como ator relevante do jogo democrático.
Recuperar a memória das Diretas Já é útil para promover um novo encontro do Brasil com a democracia.
O passado é a conexão entre o presente e o futuro e, enquanto não desenvolvemos outras tecnologias, é a melhor chave de leitura para compreender o presente e imaginar o futuro.
Há 40 anos, direita, esquerda, progressistas, conservadores e liberais se uniram sem preocupação com rótulos, sem barreiras ideológicas de uns contra os outros. Não tínhamos uma Constituição fundamentada na cidadania, no poder do povo e no pluralismo político, com garantias como liberdade de expressão, de reunião, de imprensa. Repressão e violência política eram realidades e, mesmo assim, foi possível convergir sob uma agenda coletiva.
Mesmo assim, foi possível.
Se foi naquele cenário, é hora de trocar polarização por aproximação, colocar mais luz naquilo que nos une como cidadãos e reconhecer que, como tais, nossas afinidades importam mais que nossas divergências.
É possível aprimorar nossas instituições na direção de uma democracia universal. Há necessidades consensuais que devem ser priorizadas, e nossa história recente mostra que, quando agimos sob um sinal comum, somos mais felizes nessa empreitada.