Nunca é tarde para valorizar a diversidade humana. A celebração do Dia Internacional da Síndrome de Down em 21 de março constitui ação afirmativa da pluralidade que caracteriza a sociedade e um lembrete da luta contínua pela quebra de estigmas e estereótipos que excluem pessoas do convívio social.
A síndrome de Down é uma das alterações genéticas mais frequentes entre os seres humanos, cujo fenótipo foi descrito de forma pioneira pelo pediatra inglês John Langdon Haydon Down, em 1866. Mas foi só em 1959 que Jérome Lejeune e outros pesquisadores detectaram que a SD era causada pela trissomia do cromossomo 21.
A maioria dos seres humanos possui dois cromossomos 21 – um oriundo do pai, outro da mãe. Na pessoa com síndrome de Down estão presentes três cromossomos 21.
“Essa é uma data que serve para relembrar o papel dos portadores de síndrome de Down e das pessoas com deficiência em geral na sociedade. Lembrar do quanto essas pessoas conseguem ter independência e contribuir significativamente para a sociedade”, avalia a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Subseção de Bauru da OAB SP, Daniela de Carvalho Guedes Bombini.
Bombini é mãe de uma criança com síndrome de Down, o pequeno Francisco, de quatro anos. “Foi ele quem me despertou para as questões em torno das pessoas com deficiência”, conta a advogada, que também é mãe de Clara, 14 anos, e de Beatriz, 9 anos.
Francisco sofre com comorbidades decorrentes da SD, como cardiopatias, hipotiroidismo, problema renal crônico e, ainda, displasia pulmonar, o que o torna dependente de suporte de oxigênio. A somatória dessas patologias dificulta seu desenvolvimento. Apesar de ter quatro anos, ele tem o tamanho de uma criança oito meses. Por conta disso, Francisco vive em um sistema de home-care – seu quarto é como uma pequena UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
“Chiquinho é para mim um presente de Deus. É maravilhoso ser mãe dele, ele me ensina a sorrir para vida todos os dias”, afirma a advogada.
Ela não esconde que a chegada de uma criança com deficiência em sua família gerou situações complicadas, resultantes da falta de preparo e de informação adequada, mas destaca que a conscientização e o diálogo resolveram as adversidades.
É muitas vezes a ignorância quanto às potencialidades das pessoas com deficiência que prende alguns a preconceitos e estereótipos. Em suas diretrizes de atenção à saúde da pessoa com síndrome de Down, o Departamento de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria destaca que as pessoas com SD apresentam condições de se desenvolverem cognitivamente e se tornarem participantes ativas na sociedade. Saiba mais neste link.
A deficiência é um comprometimento que dificulta mas não impossibilita as pessoas com deficiência de interagirem com o mundo, como bem mostra a trajetória de Ariel Goldenberg, ator que estrelou o longa-metragem sobre portadores de síndrome de Down “Colegas”, e do confeiteiro Gabriel Bernardes de Lima, dono da Downlicia Brigadeiros Gourmet, destaque na lista Under 30 da Revista Forbes, que lista os empreendedores com menos de 30 anos mais brilhantes do país.
O Brasil tem hoje cerca de 300 mil pessoas com síndrome de Down, segundo a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. Cada vez mais avançamos para entender o valor desses cidadãos e extinguir as barreiras que os impedem de se relacionarem com o mundo. Ato maior nesse sentido foi a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015, lei que promove a inclusão e assegura direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência na vida pública.
Para Daniela Bombini, a lei é um avanço legislativo ímpar, mas requer melhor aplicação prática. “Do ponto teórico é uma lei satisfatória, baseada na convenção da ONU sobre o direito das pessoas com deficiência. Só que a aplicação prática desses direitos ainda deixa a desejar, seja do ponto de vista estrutural, da garantia à acessibilidade das pessoas com deficiência aos estabelecimentos e, principalmente, do investimento na conscientização e no respeito aos direitos por elas adquiridos. Ainda é comum ver desrespeitos a esses direitos. Exemplo clássico é o da vaga de deficiente, muitas vezes ocupada por quem não é portador de uma”, observa.
Ainda assim, a advogada acredita que o reconhecimento legislativo contém, em si, um potencial moral capaz de sensibilidade ao contexto. “Sou uma pessoa otimista. Ainda que a passos lentos, ainda que requeira uma luta de conscientização, sei que estamos no caminho para naturalizar as deficiências, ou melhor, a pluralidade entre nós”, declara.