Celebra-se em 15 de setembro o Dia Internacional da Democracia, como instituído pela Organização das Nações Unidas. Nesta terceira década do Século XXI, era de se esperar que o regime democrático, a compreender não somente o voto popular como peça fundamental, mas também meios efetivos de inclusão social, não fosse mais posto em risco. Mas o que se vê em vários países, de todos os continentes, é o surgimento – e o fortalecimento – de uma nova forma de autoritarismo, de face diversa das ditaduras tradicionais, que se aproveita de instrumentos da própria democracia para corroê-la por dentro.
Quem melhor descreveu as novas formas de autoritarismo foram os professores da Universidade Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblat, no livro “Como as Democracias Morrem”, de 2018.
No trecho a seguir, os autores resumem o método moderno e subliminar de corrosão da democracia: “Muitos esforços de governos para subverter a democracia são ‘legais’, no sentido de que são aprovados pelo Legislativo ou aceitos pelos tribunais. Eles podem até mesmo ser retratados como esforços para ‘aperfeiçoar’ a democracia – tornar o Judiciário mais eficiente, combater a corrupção ou limpar o processo eleitoral. Os jornais continuam a ser publicados, mas são comprados ou intimidados e levados a se autocensurar. Os cidadãos continuam a criticar o governo, mas muitas vezes se veem envolvidos em problemas com impostos ou outras questões legais. Isso cria perplexidade e confusão nas pessoas. Elas não compreendem imediatamente o que está acontecendo. Muitos continuam a acreditar que estão vivendo sob uma democracia”.
Essa ação sorrateira, camuflada, pode ser contida se diagnosticada e confrontada a tempo. No Brasil, a Seção de São Paulo da OAB lançou, em junho de 2020, o movimento “Democracia Sempre”, aglutinando instituições diversas no intuito de construir um escudo contra retrocessos civilizatórios.
No podcast da OAB São Paulo, no episódio intitulado “Democracia: modo de usar”, disse o presidente da Secional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, Caio Augusto Silva dos Santos: “A democracia há de ser sempre preservada. (…) A sociedade não permitirá e as instituições que estão sempre a defender a democracia também não permitirão que haja qualquer espécie de retrocesso em relação ao regime democrático” (Ouça AQUI).
Para o presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, Luís Ricardo Vasques Davanzo, a celebração do Dia Internacional da Democracia “deve servir como alerta à sociedade, para que não recue um passo sequer na sua luta histórica por uma democracia plena e inclusiva, em que a advocacia e suas instituições têm papel fundamental”.
Poucas pessoas compreendem o processo de consolidação da democracia brasileira, ainda longe de ser concluído, tanto quanto a historiadora Heloisa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais. Ela leu o livro de Levitsky e Ziblat, e sobre a tese dos autores afirmou: “É uma verdade absoluta”.
Segundo Starling, “governantes com vocação tirânica são eleitos e dão andamento a um processo de corrosão da democracia por dentro”.
A historiadora explica que a destruição camuflada da democracia, nova versão dos golpes militares da época da Guerra Fria, dá-se em boa dose mediante critérios estéticos – “na linguagem, por exemplo, que destrói processos civilizatórios, que destrói a simbologia da República”, somando-se a “um bando de pessoas incompetentes infiltradas nos órgãos de Estado, esta uma face mais visível”.
Nada caracteriza mais o movimento global antidemocracia que as fake news, praga indissociável dos tempos atuais, de fácil identificação mas de difícil contraposição. Para Heloisa Starling, a mentira, adotada como método por políticos desde sempre, é um componente decisivo de destruição da democracia. “Com as redes sociais, as fake news aumentaram enormemente sua capacidade de difusão, e com muita velocidade – a internet é muito eficaz nisso”, ironiza, para completar com indignação: “É algo voraz”.
Para a professora da UFMG, o sonho democrático brasileiro não morreu. O país segue em sua luta eterna por direitos, numa contenda infindável dada à raiz escravocrata da nossa sociedade. “Nossa história alimenta o sonho de liberdade no lugar do autoritarismo”, sentencia.