20 de novembro, Dia da Consciência Negra, muito mais a refletir do que a comemorar. Não se negam avanços nos últimos anos no sentido da igualdade racial no Brasil – por exemplo, aqueles obtidos graças à Lei de Cotas. Mas ao passo que a população negra ganha espaço no mercado de trabalho e no campo educacional, a violência urbana segue a vitimá-la em larga escala nas periferias.
A edição 2020 do Atlas da Violência, elaborada pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela terem ocorrido 57.956 homicídios no país em 2018, 75,7% dos quais de negros e negras. De 4.519 mulheres assassinadas no Brasil em 2018, 68% eram negras. De 2008 a 2018, os homicídios de mulheres negras cresceram 12,4%, enquanto os de mulheres não-negras caíram 11,7%.
“A violência de origem racial permanece muito grande contra a população negra. Ainda temos gargalos importantes por conta do racismo estrutural”, afirma a advogada Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB SP.
Para o advogado e sociólogo José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, o Atlas da Violência mostra que o quadro agravou-se na área da Segurança Pública. “Involuímos”, assinala.
A violência decorrente do racismo estrutural e da profunda desigualdade social não se concretiza apenas em homicídios e outros tipos de agressões físicas. A pandemia do novo coronavírus também alveja com mais força a população negra.
Segundo Maria Sylvia, “há dados informando que as pessoas negras estão muito mais sujeitas a morrer de Covid-19, não por fatores biológicos, mas por causa da sua condição de vida”.
“Na cidade de São Paulo, por exemplo, a maioria negra, fora do mercado formal, reside em locais insalubres, com grande número de pessoas aglomerando-se em espaços muito pequenos. Elas não têm condições de observar o distanciamento”, explica a advogada. E vai além: “A tempestade da pandemia é a mesma para todos e todas, mas os barcos para atravessá-la são diferentes”.
Avanços – Recentemente, uma grande rede varejista deu mostra do enraizamento de ações afirmativas da igualdade racial no Brasil, ao anunciar que seu programa de trainee para 2021 selecionaria exclusivamente candidaturas de negros e negras. Diante de um processo contrário movido por um defensor público da União, alegando violação de direitos coletivos, o Ministério Público do Trabalho, em defesa da empresa, ressaltou a legitimidade de ações afirmativas para superação de desigualdades e discriminações históricas.
Não existe argumento consistente que justifique privilegiar não-negros em postos de trabalho. A ideia de que a população branca possui em geral melhor formação não se sustenta empiricamente. É o que demonstra a última Pnad (Pesquisa por Amostra por Domicílios), realizada pelo IBGE: dos ingressantes na educação superior em 2017, 29,3% foram de mulheres negras, 28% de mulheres brancas, 22,4% de homens brancos e 19,6% de homens negros.
“Temos de considerar que negros e negras no Brasil só foram admitidos na educação formal na década de 1940, portanto existe um enorme déficit em relação à população branca. Há, sim, um avanço importante na área da educação”, enfatiza Maria Sylvia. “Nos serviços públicos também há uma entrada maior de pessoas negras, ainda muito aquém do desejado, mas não deixa de ser um avanço”, acrescenta.
Segundo José Vicente, as cotas, ao completarem 15 anos, “são recepcionadas pela maioria da sociedade, consolidando-se e sacramentando-se legalmente”. De outra parte, lembra o advogado, “com a intervenção do Tribunal Superior Eleitoral para inclusão de negros e negras nas eleições, construiu-se uma ponte interessante para mais um flanco, no sentido de promover sua participação na política”.
“Evoluímos em vários pontos, mas o fato central é que o fosso é tão profundo que precisamos continuar evoluindo a cada dia, a cada minuto”, nota José Vicente.