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É preciso se aprofundar nos direitos de crianças e adolescentes

By 12 de outubro de 2021No Comments
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Celebrado hoje, 12 de outubro, o Dia das Crianças não é somente uma data comercial, marcada pelos presentes que crianças recebem dos adultos. Também é um momento para refletir sobre as mazelas e desigualdades que persistem na infância e adolescência brasileiras, e sobre o papel importante da sociedade e da Advocacia na proteção e garantia dos direitos desse público.

Para discutir o tema, o Jornal da Advocacia conversou com a Vice-Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB São Paulo, Thais Nascimento Dantas:

                                                                                                                   

1 – O Dia das Crianças é uma data com forte apelo comercial. Para além dessa tradição consumista de troca de presentes, qual é a importância da data?

O Dia das Crianças deve funcionar como um lembrete de que a gente precisa olhar e cuidar, de maneira especial, dessa faixa etária. Crianças e adolescentes são a absoluta prioridade da nação, conforme pactuamos coletivamente na nossa Constituição Federal, no artigo 227, dizendo também que essa proteção absolutamente prioritária é responsabilidade compartilhada entre poder público, as famílias e a sociedade como um todo. É mais um dia para a gente lembrar disso, e colocar em prática, pensando em absolutamente todas as crianças e todos os adolescentes, sem discriminação.

Diante dessa sanha consumista que cresce no Dia das Crianças, é absolutamente importante lembrar que crianças devem ser protegidas de apelos mercadológicos de qualquer iniciativa e da publicidade infantil. A publicidade, ainda que seja de produtos direcionados a crianças, deve ser direcionada a mães, pais e responsáveis, ou seja, aos adultos, pois eles têm uma condição maior de resistir aos apelos consumistas, e também são eles que têm a capacidade de realizar a compra. Direcionar a publicidade para crianças, como a gente ainda vê em algumas ocasiões a despeito da lei, é uma violação ao Código de Defesa do Consumidor, que coloca isso no artigo 37 como uma prática abusiva, mais detalhada por outra legislação esparsa.

 

2 – Como a senhora avalia o atual cenário brasileiro de ações e políticas para infância e adolescência? Há avanços ou retrocessos? 

Se a gente faz um comparativo entre 30 anos atrás e agora, é possível verificar um avanço significativo nas políticas de infância e adolescência, que começaram a se estruturar a partir da Constituição de 1988 e a partir do Estatuto da Criança Adolescente, em 1990.

Tivemos um avanço, por exemplo, em relação a políticas para assegurar a convivência familiar, proteger as famílias, em relação ao cuidado dado aos adolescentes em conflito com a lei, e também em diversas outras frentes, inclusive com evolução nos índices de redução da fome e da desnutrição, redução da taxa de mortalidade infantil, ampliação do acesso à escola, dentre outras iniciativas.

No entanto, quando pegamos um recorte um pouco mais recente, vemos que há uma grande incerteza em relação à continuidade desses avanços e, inclusive, indícios de retrocesso, principalmente se a gente olha para cortes de investimento em áreas sociais. A partir do momento que não há investimento financeiro adequado em políticas públicas para a infância e adolescência, sem dúvida a gente dá passos para trás, e é justamente isso que não pode ocorrer.

Mais recentemente, ficou evidente que esse retrocesso está a ponto de acontecer. Um indício são iniciativas, especialmente no campo federal, voltadas a retroceder da educação inclusiva para educação especial, o que tende a gerar uma ampla discriminação em relação a crianças e adolescentes com deficiência, inclusive comprometendo seu desenvolvimento e a sua presença verdadeiramente participativa e democrática na sociedade. Um outro ponto que num primeiro olhar talvez não esteja tão conectado à infância e adolescência, mas que tem um grande impacto, são políticas de maior circulação de armas. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Pediatria mostra como a maior circulação de armas impacta, especialmente, crianças e adolescentes, porque eles são mortos ou acidentados em situações envolvendo, por exemplo, armas de fogo.

É importante ter esse olhar estrutural, pois quando políticas estão sendo desenvolvidas, é necessário considerar o impacto delas em crianças e adolescentes. Não por acaso, o artigo 4 do ECA afirma que é necessário assegurar que crianças e adolescentes tenham preferência em políticas públicas. Isso significa tanto que elas sejam pensadas especificamente para elas, como também que elas considerem efeitos em crianças e adolescentes.

A OAB São Paulo, por meio da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência e da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente, divulgou nota pública para manifestar sua preocupação em relação à nova Política Nacional de Educação Especial. Confira a nota na íntegra neste link do Jornal da Advocacia.

 

3 – Quais são os impactos da pandemia de Covid-19 para crianças e adolescentes?

Nesse contexto de pandemia, em que há impactos na sociedade e maior vulnerabilidade de grupos sociais, especialmente em aspectos socioeconômicos, é fundamental que haja um apoio para essa recuperação, porque isso respinga em crianças e adolescentes. Eles ficam mais vulneráveis no contexto das famílias; mais suscetíveis, por exemplo, ao trabalho infantil; com menos acesso à alimentação adequada; entre outros. É por isso que um olhar atento para as famílias, crianças e adolescentes é fundamental nesse contexto de recuperação pandêmica.

 

4 – É cada vez mais comum ver críticas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tratando-o, por exemplo, como um “desserviço à sociedade” e algo que “protege muito e exige pouco” das crianças e adolescentes. Qual é a importância do ECA para a sociedade brasileira? Quais ainda são os obstáculos para sua efetivação? 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa ser entendido como um avanço no marco civilizatório do Brasil, no sentido de que foi a partir dele, como um desdobramento da Constituinte de 1988, que começou a se ver a criança de fato como sujeito de direitos, e não como um objeto de tutela.

O ECA afirmou que o melhor interesse da criança e do adolescente deve ser garantido, e que isso é uma responsabilidade compartilhada entre sociedade, comunidade, famílias e poder público, além de detalhar como atingir essa prioridade absoluta, que está prevista na Constituição.

O ECA tem a capacidade de ser um mecanismo que prevê essas políticas de maneira estruturada, olhando para a perspectiva de crianças e adolescentes com ações preventivas e ações reparadoras, de maneira completa. O Estatuto prevê também o sistema de garantia dos direitos de crianças e adolescentes, que são basicamente os órgãos que possuem esse dever de cuidado, desde o Conselho Tutelar como uma porta de entrada em casos de prevenção e de violação, articulando com outros órgãos do Sistema de Justiça, mas também com a presença de órgãos da educação, da assistência social, da saúde e de outras áreas.

É importante afastar essa ideia de que o ECA seria extremamente permissivo. Uma questão que sempre aparece, é que é uma notícia falsa, é que os adolescentes não são responsabilizados pelos seus atos. Isso não é verdade. O Brasil tem um Sistema Socioeducativo muito bem estruturado e reconhecido internacionalmente. Trata-se de um sistema voltado a adolescentes que cometeram atos infracionais, que são equivalentes a crimes, e que conta com mecanismos, simultaneamente, de responsabilização e de reparação, para que esse adolescente possa, de fato, se socializar e se educar, para conseguir ter o seu desenvolvimento adequado. Essas medidas passam desde advertências até medidas de internação para situações mais extremas, que devem ser restritas a cenários de necessidade. O que precisa ficar claro é que o ECA é um avanço na proteção dos direitos de crianças e adolescentes, e que essa legislação precisa ser respeitada. A sociedade brasileira precisa conhecer ainda mais o Estatuto, para então fazer uso e cobrar, em todas as instâncias, que ele seja respeitado e implementado.

 

5 – Como tem sido a atuação da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB SP, e também da OAB São Paulo, em prol dos direitos infantojuvenis?

A Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB SP tem trabalhado nessa pauta de modo a fortalecer a proteção de crianças e adolescentes entre advogadas e advogados e em todo o sistema jurídico, numa perspectiva de que, muito frequentemente, os operadores do Direito ainda saem despreparados das faculdades para lidar com esse tema.

Na imensa maioria das faculdades, o Direito da Criança e do Adolescente não é um conteúdo obrigatório. Muitas vezes não temos contato com isso, e quando chega na vida prática, não há um olhar específico para criança e adolescente. Não é algo que pode ser ignorado porque isso é transversal em diversas áreas da educação. Se você, por exemplo, trabalha na área de Direito de Família, o interesse da criança e do adolescente precisa ser contemplado. Se você está na área de Direito do Trabalho, seja em relação a uma situação de trabalho infantil, ou até mesmo uma situação de uma mãe ou pai trabalhador, o direito da criança está presente. Em relação ao sistema criminal, numa situação em que uma criança/adolescente é vítima, também há interlocução com a área do Direito da Criança e do Adolescente.

É um esforço para avançar principalmente na capacitação para uma atuação adequada na área, porque isso de maneira estrutural contribui para que os direitos de crianças e adolescentes sejam respeitados. A Comissão também atua visando a valorização desses profissionais, especialmente atuando em casos em que há uma violação dos direitos de crianças e adolescentes, gerando, de fato, reflexões, e uma maior visibilidade de que a gente precisa agir conjuntamente, pois há uma responsabilidade da Advocacia em defender os direitos de crianças e adolescentes.