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Comissão de Direitos Humanos da OAB SP se posiciona contra o PL que estabelece o marco temporal para terras indígenas

By 3 de outubro de 2023No Comments
OAB SP repudia abertura de processos ético-disciplinares contra deputadas federais, em virtude de suas manifestações sobre o marco temporal na demarcação de terras indígenas

Texto já foi aprovado pelo Congresso e segue para sanção do presidente da República

A OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo), por meio de sua Comissão de Direitos Humanos, divulga nota pública contra o Projeto de Lei 2.903/2023, que dispõe sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas.

Aprovado pelo Congresso, o texto segue para aprovação do presidente da República. Em nota, a OAB SP avalia que o PL “contém disposições que se revelam flagrantemente inconstitucionais e que não se sustentam diante de qualquer crivo jurídico inicial”.

No texto, a Comissão alerta que “sob um genérico ‘interesse público’ permite ao Estado apossar-se das terras tradicionais onde vivam referidos povos indígenas em isolamento voluntário”.

Entre outras questões, viola a Convenção n°169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e “dá acesso à exploração de riquezas em terras indígenas, dentre outras inconstitucionalidades e ilegalidades patentes”.

O Supremo Tribunal Federal derrubou a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas no dia 21 de setembro.

Leia a nota na íntegra

NOTA PÚBLICA SOBRE A APROVAÇÃO DO PL Nº 2.903/2023 PELO SENADO FEDERAL

Foi aprovado pelo Senado Federal, no último dia 27 de agosto de 2023, o Projeto de Lei n° 2.903/2023 (PL nº 490/2007 da Câmara dos Deputados), de iniciativa do Deputado Federal Homero Pereira (PL/MT) e que, por sua Ementa, regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nos 11.460, de 21 de março de 2007; 4.132, de 10 de setembro de 1962; e 6.001, de 19 de dezembro de 1973.
Referido projeto, agora aprovado e que segue para apreciação do Presidente da República, contém disposições que se revelam flagrantemente inconstitucionais e que não se sustentam diante de qualquer crivo jurídico inicial.

O PL nº 2.903/2023 busca converter em lei disposições como o próprio marco temporal enquanto critério para demarcação de terras indígenas; além disso, sob um genérico “interesse público” permite ao Estado apossar-se das terras tradicionais onde vivam referidos povos indígenas em isolamento voluntário; impede a ampliação de terras já demarcadas sob dimensões menores do que as devidas; viola a Convenção n°169 da OIT, à qual o Brasil expressa e voluntariamente aderiu, uma vez que desconsidera a obrigatoriedade do Estado em proceder à consulta prévia, livre e informada aos povos originários sobre decisões que gerem impactos sobre suas comunidades; permite a qualquer pessoa contestar a demarcação de terras indígenas (TIs); busca transferir a competência para demarcações de TIs do Poder Executivo, ao Poder Legislativo; dá acesso à exploração de riquezas em TIs, dentre outras inconstitucionalidades e ilegalidades patentes.

A demarcação de terras indígenas e preservação de todos os direitos correlatos constituem cláusula pétrea no âmbito do sistema constitucional de 1988, ideia fortalecida após decisão do Supremo Tribunal Federal e que rejeitou o marco temporal, tanto no caso dos povos quilombolas, em 2018 (ADIn nº 3239 e que reconheceu a constitucionalidade do Dec. nº 4.887/2003), quanto no caso do povo indígena Xokleng (julgamento do Recurso Extraordinário n° 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.031).Inserir o marco temporal e demais mecanismos legislativos anti-indígenas, como aqueles constantes do PL n° 2.903/2023, equivale à frontal violação à Constituição Federal de 1988, em seus artigos 60, §4°; 215, 231, dentre outros; às suas cláusulas pétreas e às normas internacionais aplicáveis, às quais o Brasil aderiu.

Ainda mais, equivale a desconsiderar o passado remoto e recente da história brasileira, e marcada pelo genocídio de seus povos originários, pela espoliação e apossamento violento de suas terras tradicionais, base fundamental existencial dos povos indígenas do Brasil, bem como implica anistiar os responsáveis pelos referidos crimes.

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos e pelo seu Núcleo dos Direitos Indígenas e Quilombolas, acompanha com preocupação referidas medidas, dadas as suas inconstitucionalidades, que enfraquecem o regime democrático e, uma vez mais, descortinam vias as mais perigosas quanto à continuidade da existência digna dos povos indígenas do Brasil, razões pelas quais a Corte Suprema do Brasil rechaçou, já por duas vezes, a proposição do marco temporal.

PATRICIA VANZOLINI
Presidente da OAB SP

PRISCILA BELTRAME
Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP

FLÁVIO DE LEÃO BASTOS PEREIRA
Coordenador do Núcleo de Direitos Indígenas e Quilombolas da OAB SP