Esta semana, o Senado Federal rejeitou, por maioria de votos, a MP 1045/21, que pretendia dificultar o acesso do cidadão ao Poder Judiciário, alterando normas trabalhistas, com consequências previdenciárias, e mudança de regra processual ao dispor que só teria justiça gratuita, inclusive nos Juizados Especiais Federais, os cidadãos com renda de meio salário-mínimo (R$ 550,00) ou renda familiar de até três salários-mínimos (R$ 3.300,00) ou aqueles que estiverem incluídos no Cadastro Único. A rejeição do Senado foi uma vitória de toda a sociedade, resultado da pressão, entre outras instituições, de várias Comissões Estaduais de Direito Previdenciário e Perícias Forenses da OAB, incluindo a de São Paulo.
Na semana passada, Adriane Bramante, Presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB SP, esteve em Brasília conversando com diversos senadores e assessores. Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o texto do PL 3914/20, que segue agora em tramitação. Na ocasião, a Comissão divulgou, em conjunto com a Comissão Especial de Estudos de Perícias Forenses da OAB SP, notas pública e técnica contra mudanças na legislação que, caso aprovadas pelo Congresso Nacional, irão dificultar o acesso dos cidadãos brasileiros ao Poder Judiciário.
Para compreender melhor as consequências e efeitos dessas alterações, o Jornal da Advocacia conversou com Adriane Bramante e Mônica Christye, Presidentes das Comissões Especiais de Direito Previdenciário e Perícias Forenses.
Confira:
Adriane Bramante – Presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB SP:
- A Justiça Gratuita só será concedida se o trabalhador comprovar baixa renda, com novos parâmetros que excluirão milhares de cidadãos vivendo também na pobreza. Essas pessoas não ficarão sem acesso à justiça?
Como a MP 1045/21 mudava o critério de acesso à justiça, foi derrogada ontem (01/09) pelo Senado Federal o critério que modificava o CPC e a lei dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/01) quanto à justiça gratuita caiu por terra. Mas o PL 3914/20, ainda em tramitação, se aprovado como está o texto hoje, poderá imputar ao autor da ação o pagamento da perícia médica judicial. Isso dificultará o acesso de pessoas que precisam da ação judicial para fazer valer o seu direito, mas que diante dessa possibilidade de pagarem pela perícia, podem optar por não ingressar com o processo.
- As alterações nos textos vão trazer mudanças que irão prejudicar em muito as famílias brasileiras. Os grupos de aposentados e trabalhadores que necessitam de benefícios por incapacidade, em especial, serão os mais afetados?
Se o texto da PL não for alterado, poderá prejudicar sim, principalmente aqueles segurados que estão no limbo jurídico previdenciário/trabalhista, ou seja, aquele que teve a cessação do benefício por incapacidade pelo INSS, que entendeu não haver mais a incapacidade, ao mesmo tempo em que ele não consegue retornar para a empresa em razão do seu relatório médico atestar que a doença incapacitante ainda persiste.
- O aumento da judicialização previdenciária revela decisões discrepantes entre o INSS e o Poder Judiciário. As mudanças previstas não podem piorar ainda mais este cenário conflituoso?
O acréscimo da judicialização decorre, dentre outros fatores, do excesso de normas e procedimentos administrativos conflitantes com as matérias sedimentadas na justiça ou daquelas já inseridas no texto legal. O conflito também ocorre pelos critérios procedimentais da perícia médica federal, que é incompleta e não tem as informações necessárias para a conclusão adequada do direito do segurado ao benefício. Além disso, o crescimento decorreu pelo fato de o INSS ter convocado todos os segurados que estavam afastados há mais de dois anos para nova perícia. O intuito do chamado “pente fino” foi cessar a maioria dos benefícios. Isso provocou um aumento considerável de ações judiciais para restabelecimento desses benefícios. Esse procedimento poderia ter sido melhor planejado, mas não ocorreu. As mudanças pretendidas no PL não podem jogar ao segurado a culpa por essa falta de planejamento do INSS ou falta de orçamento da justiça.
- O que as instituições defensoras dos direitos humanos e do estado democrático de direito, assim como a Advocacia e até a sociedade civil podem fazer para promover o acesso à justiça amplo e condizente com os interesses da cidadania em relação a essas propostas em andamento no Congresso Nacional?
A Advocacia é indispensável à administração da justiça. Ela é a voz qualificada daqueles que não têm voz. Podemos (e devemos) nos fazermos ouvir, dialogando, promovendo audiências públicas, levando o tema em debate de forma técnica e didática aos parlamentares, destacando as consequências dos textos mal escritos, além de alertar a sociedade sobre os assuntos que estão em discussão no Congresso Nacional e que são de interesse de todos nós.
Mônica Christye, Presidente da Comissão de Perícias Forenses da OAB SP
- O PL 3914 prevê também requisitos mínimos para a petição inicial que visa discutir o ato praticado pela Perícia Médica Federal. Quais são esses requisitos? De que maneira podem atingir o segurado?
As regras para interposição de petição inicial delimitam documentos que são critérios de análise e especialidade da medicina, possíveis somente se o autor da ação ao entrar com o processo, possa contratar um médico perito assistente para lhe dar suporte técnico, fato raramente possível, para quem é desprovido, situação típica e habitual das ações previdenciárias.
A proposta é que tenha os seguintes requisitos relacionados à especialidade da medicina: descrição clara da doença e limitações impostas, elencar a atividade para qual o autor está incapacitado e as possíveis inconsistências da avaliação pericial que pretende ver atacada.
Já quanto às questões processuais, os requisitos são a comprovação do indeferimento ou prorrogação do benefício, comprovação da ocorrência de qualquer acidente ou acidente do trabalho relacionando à causa incapacitante, exigência de declaração de pré-existência de ação judicial anterior com mesmo objeto, litispendência ou coisa julgada, documentação médica que estabeleça o nexo com a incapacidade alegada e documento emitido pelo empregador com a descrição das atividades desenvolvidas no posto de trabalho que ocupa quando segurado empregado e, nessa linha, verifica-se que será atrelado à boa vontade do empregador, o que não se vislumbra ser sempre acessível, além do fato de que são matérias alheias à proposição do projeto de lei.
- Por que as Comissões Especiais de Direito Previdenciário e Perícias Forenses entendem que o termo “perícia médica” deva ser substituído por “perícias judiciais”?
Perícia médica é um termo muito limitado. Por isso sugerimos que fosse substituído por perícias judiciais, que englobam outras perícias, assim consideradas, nessa terminologia, como atividades essenciais pelo CNJ, na Resolução 317/20. O termo incapacidade, especialmente nos benefícios assistenciais e nas ações, em que se discute deficiência, conforme Lei 142/13, Estatuto do Deficiente – Lei 13.146/15, que sofreram uma significativa alteração, notadamente a partir de 2001 quando a OMS emitiu a CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, trouxeram a necessidade de que o segurado seja avaliado não só por uma perícia médica, mas também submetido a uma avaliação social. Não é só a doença, ou a falta de saúde que deve ser avaliada, quando se trata de incapacidade e deficiência, mas o que a sua limitação traz de reflexos com seu contexto social e meio ambiente de trabalho.
- Se os segurados deverão pagar pela perícia médica a partir de 2022, qual o custo médio de cada perícia por processo? Os números e valores que envolvem as perícias judiciais foram debatidos?
O custo médio de cada perícia médica no âmbito dos Juizados é cerca de R$ 250,00. Os custos e valores que envolvem perícias judiciais não foram debatidos, nem mesmo o percentual que o custo da perícia representa num processo, sendo este um dos debates mais imprescindíveis. As perícias judiciais e administrativas, cujos processos onde estão inseridos como etapa de prova imprescindível, movimentam milhares de processos e merecem ser alvo de estudos e estatísticas antes de qualquer debate, para que se possa falar sobre orçamento, não sendo razoável focar apenas numa etapa do processo separadamente. Estamos movendo esforços nesse sentido.