O racismo é estrutural na sociedade brasileira e não é diferente no âmbito do futebol, esporte que mobiliza multidões com todas as suas idiossincrasias. Para compreender como o preconceito manifesta-se no futebol e conhecer em detalhes fatos históricos sobre o tema, o advogado Carlos Roberto Elias nos fornece um alentado trabalho, intitulado “O Racismo no Futebol”, que compõe o segundo volume da obra “Direito & Futebol” (Carta Editora, 2020).
Advogado criminalista, professor de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Zumbi dos Palmares, ex-diretor cultural e de Responsabilidade Social e atual conselheiro do Sport Club Corinthians Paulista, Elias é membro da comissão que organiza os campeonatos de futebol da advocacia paulista, instituída no âmbito da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, a CAASP, sob responsabilidade do diretor Edivaldo Mendes da Silva, que parabenizou o colega pela abordagem do tema.
“Imperam no País diferentes formas de discriminação racial, veladas ou ostensivas, que afetam mais da metade da população brasileira constituída de negros ou descendentes de negros, privados no exercício pleno da sua cidadania. Com o futebol não foi diferente!”, escreve Elias.
O autor percorre a história do futebol brasileiro num texto repleto de casos que ilustram a recorrente discriminação racial desde o seu nascimento, como se verifica nestas linhas: “O primeiro clube fundado com a participação de um negro no Brasil foi a Associação Atlética Ponte Preta, de Campinas-SP, em 1900. Teve entre seus fundadores Miguel do Carmo. Ele foi o primeiro jogador negro do Brasil. Nas várzeas campineiras, o Clube reinava absoluto e trazia a luta da igualdade de raças em sua essência. Por conta de sua ousadia, a Ponte Preta começou a ser chamada de Macaca, um apelido pejorativo racista”.
Entre evoluções e retrocessos históricos, Elias nos mostra que o racismo no futebol persiste – e os exemplos disso são inúmeros. Um deles, relatado no artigo, é o caso do jogador Malcom, ex-Corinthians, contratado pelo clube russo Zenit por 40 milhões de euros e rechaçado pela torcida, que não aceita atletas negros. Numa partida em São Petersburgo, os torcedores do Zenit, orgulhosos de seu racismo, exibiram uma faixa com os dizeres irônicos: “Obrigado, direção, pela lealdade às tradições”.
As origens europeias talvez respondam, ao menos em parte, pelo racismo no futebol brasileiro. Assim explica Elias:
“O início do preconceito no futebol não se deu por conta do racismo, ao contrário, iniciou-se por conta da história do futebol ser de origem europeia e seus praticantes, no início, teriam que ser frequentadores de clubes da elite. Os campos de futebol eram um prolongamento da elite da sociedade. O futebol, apresentado como produto de moda, reunia participantes e admiradores não somente pela novidade, também para participar de um evento revestido pela simbologia da modernidade que vinha da Europa”.
O futebol brasileiro, que tem em Pelé o seu ídolo maior, também demonizou grandes atletas em boa dose por serem negros. É o caso do excepcional goleiro Barbosa (foto), do Vasco da Gama, que sofreu os gols uruguaios que tiraram o título de campeão do mundo do Brasil 1950, em pleno Maracanã. As cobranças sobre Barbosa ultrapassaram o limite do razoável, e assim ele desabafou: “No Brasil, a pena maior por um crime é de 30 anos. Há 43 anos eu pago por um crime que não cometi”.
Em “O Racismo no Futebol”, Carlos Roberto Elias também oferece ao leitor minuciosa análise da legislação antirracismo em vigor no Brasil. Mas a lei não é tudo. “A importância da popularização do futebol no Brasil, para o afastamento dos preconceitos, destacou entre seus maiores ídolos jogadores negros, morenos, enfim, legítimos brasileiros, tais como Leônidas, Zizinho, Didi, Domingos da Guia, Garrincha e Pelé. O êxito dos jogadores acima citados abriu as portas para que novos jogadores brasileiros pudessem usufruir de uma estrada mais limpa, com menos preconceitos, pois o rei do futebol é brasileiro e negro. Porém, o combate à discriminação, ao preconceito, ao racismo, tem que ser diário, com amplos exercícios de cidadania, evitando ataques implantados na memória desde a pré-escola”, adverte o advogado.
Nos próximos dias será lançado o terceiro volume de “Direito & Futebol”, cuja organização é do advogado Higor Marcelo Maffei Bellini, também integrante da comissão organizadora dos campeonatos de futebol da advocacia paulista, no âmbito do CAASP. Nessa obra, Carlos Roberto Elias escreve sobre a “A Responsabilidade Social do Clube Formador”.