Volta e meia, pais, mães e responsáveis por crianças com TEA (Transtorno do Expectro Autista) são expostos nas redes sociais a fake news como a do MMS, o Mineral Miracle Solution (solução mineral milagrosa, na tradução do inglês). Em textos, imagens e até áudios de supostos especialistas, o produto é apresentado como remédio capaz de “curar” o autismo. O impacto de tais simulacros científicos é perigosíssimo, já que o tal MMS é feito de dióxido de cloro, composto usado pela indústria de celulose para descolorir a polpa da madeira para fazer papel, e que quando ministrado por via oral ou retal causa total descamação da mucosa do intestino.
Mais uma vez engajada no Abril Azul, mês de conscientização sobre o TEA, a reportagem da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo ouviu Francisco Paiva Júnior, jornalista, editor e cofundador da Revista Autismo (www.revistaautismo.com.br), a primeira revista periódica a respeito de TEA na América Latina, para comentar a importância do jornalismo especializado diante da disseminação desenfreada de informações falsas que tomou a internet nos últimos anos.
Criada em 2010 por Paiva Júnior e Martim Fanucchi, que permaneceu no projeto até 2018, a Revista Autismo nasceu com a proposta de ser um veículo totalmente gratuito, com versões impressa e digital, em que responsáveis por crianças autistas, em especial aquelas que acabaram de receber o diagnóstico de TEA, pudessem recorrer para encontrar informações de qualidade, redigidas pelas mais rigorosas regras de apuração e investigação do jornalismo, mas que tivesse também uma linguagem acessível, que decodificasse o vocabulário científico do espectro autista.
Paiva Júnior e Fanucchi são pais de jovens autistas e testemunharam o vácuo de informação sobre o tema. Quando suspeitei do autismo do meu filho, vi a dificuldade que era encontrar informação confiável e de qualidade sobre o assunto. Por conta da profissão, eu sabia que o ideal era recorrer a sites de universidades e artigos científicos, mas notei nova barreira para o público leigo: a linguagem técnica desses escritos, lembra Paiva Jr., que é pai de Samantha, 11 anos, e Giovani, um adolescente autista de 13 anos.
Hoje, o cenário é bem diferente. De fato, quando a Revista Autismo nasceu o cenário que tínhamos era de total falta de informações sobre autismo para o público em geral. Hoje, a gente sofre com o excesso e a má qualidade dessas informações”, denuncia Paiva Jr.
Com isso, o jornalismo científico, que não prescinde de valores como racionalidade, objetividade e fidelidade factual, nunca foi tão importante. O editor da Revista Autismo dimensiona essa responsabilidade: “A informação de qualidade evita que as pessoas percam tempo e dinheiro com tratamentos que a ciência já descartou ou se quer algum dia propôs. Além disso, é auxilia na proteção à integridade e à saúde do autista”.
O tempo é fator fundamental para pessoas dentro do espectro autista. Quanto antes se inicia um tratamento de qualidade, maiores são as chances delas terem mais qualidade de vida e possibilidade de desenvolver habilidades e potencialidades.
Ao longo da uma década, a Revista Autismo teve altos e baixos. Afinal, fazer jornalismo segmentado e independente no Brasil nunca foi tarefa fácil. Mas Paiva Júnior conseguiu driblar os obstáculos e manter o projeto de pé até aqui. Hoje, a Revista Autismo está presente no site www.revistaautismo.com.br, em que também é possível baixar todas as edições da revista, e nas principais redes sociais (@revistaautismo). Graças à parceria com as empresas Jamef Transportadora e a Azul Cargo, sua versão impressa chega a mais de 100 cidades no Brasil, incluindo locais remotos, onde a conexão com a internet para muita gente resume-se ao uso do Whatsapp, como é o caso da Ilha de Marajó, no Pará.
Na tentativa de ser ainda mais acessível e conscientizar os jovens sobre o TEA, o periódico assinou parceria com o Instituto Mauricio de Sousa. Desde 2019, todas as edições da revista, que é trimestral, contam com uma história em quadrinhos do André, o personagem autista da Turma da Mônica criado especialmente para o projeto.
A Revista Autismo não é só um canal de comunicação, é uma verdadeira plataforma de relacionamento entre membros da comunidade autista. Tornando-se um local seguro para pais, mãe e responsáveis desabafarem e trocarem experiências de vida. Em 2020, por exemplo, a edição de junho trouxe uma grande reportagem sobre os impactos da pandemia de Covid-19 no universo do autismo. Adaptar-se ao “novo normal” foi difícil para todos, mas um pouco mais para as pessoas dentro do espectro autista e suas famílias. Para elas rotina é palavra de ordem e, no entanto, rotina e previsibilidade foi tudo que o coronavírus retirou de nós no último ano.
Ciente dessa necessidade de compartilhamento entre seus leitores, a Revista Autismo lançou no final de 2020 o Tismoo.me, a primeira rede social do mundo exclusivamente focada no autismo, para que pessoas interessadas possam trocar experiências e informações em um ambiente seguro e livre de fake news.
Também em 2020, com apoio das faculdades Fiap, Insper e Specialisterne, empresa dinamarquesa especializada em treinar autistas para o mercado de trabalho, a revista montou uma mentoria para ajudar quem deseja empreender um negócio social ligado ao ecossistema do autismo, assim como a autistas que querem empreender em qualquer área.
Outra iniciativa da Revista Autismo é o Congresso On-line pelo Dia Mundial de Conscientização do Autismo, com sua segunda edição programa para o próximo dia 2 de abril. “Nosso trabalho também envolve a questão da conscientização da sociedade quanto ao TEA, porque quanto mais informação circular, em diferentes formatos, menor será o preconceito”, acredita Paiva Júnior.
O 2º Congresso On-line pelo Dia Mundial de Conscientização do Autismo contará a participação de inúmeros palestrantes de renome, autistas, familiares e especialistas e a participação especial de Mauricio de Souza. As inscrições estão abertas e a CAASP convida a advocacia a participar dessa inciativa. A inscrição no evento pode ser feita AQUI.
OAB SP – A Comissão Especial de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB SP realiza no dia 5 de abril, às 17 horas, o “I Webinar sobre Transtorno do Espectro Autista da OAB SP” (AQUI). O editor da Revista Autismo, Francisco Paiva Júnior, será um dos palestrantes, ao lado de Lúcia Benito de Moraes Mesti, presidente da Comissão, Sara Rocha, mestre em Gestão e Economia dos Serviços de Saúde, José Augusto Maia Baptista, professor e especialista em Educação Adaptada e Pedro Rosengarten Baptista, graduando em Ciências Sociais. A mediação estará a cargo de Andressa Luchiari de Souza, coordenadora do Grupo de Trabalho – Autismo da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB SP.
Legislação– Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.788 / 2020, apresentado à Câmara pelos deputados Célio Studart (PV-CE) e Otto Alencar Filho (PSD/BA), cuja aprovação impedirá que os planos de saúde exijam cumprimento de carência por pessoas com TEA que necessitem de procedimentos de alta complexidade, leitos de alta tecnologia e procedimentos cirúrgicos ligados à deficiência.
O projeto, abraçado pelos parlamentares, foi concebido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da 42ª Subseção da OAB SP, em Garça. O presidente do órgão, João Sardi Júnior, inspirou-se no caso de seu filho, Murillo Sardi, portador de TEA, para elaborar o texto do PL.
Segundo o advogado, a Lei 12.764 /2020 classifica o transtorno do espectro autista como doença, portanto inserido na CID 10 (Classificação Internacional de Doenças) e sujeito a carência na medicina suplementar. Ocorre que o autismo não é uma patologia, e sim uma deficiência, como entendeu o juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Marília, que julgou o caso de Murillo Sardi.
Não pode haver carência para tratamento de pessoas com TEA, portanto. Justamente esse ponto será alterado na Lei 12.764 se o PL 4.778 for aprovado, com sua redação evocando a Constituição Federal e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Segundo a ONU, há 70 milhões de indivíduos com transtorno do espectro autista no mundo, dois milhões dos quais no Brasil. Essas pessoas apresentam dificuldades de comunicação e linguagem que as colocam aparentemente numa realidade à parte. Comportamentos repetitivos, às vezes uma inquietação exagerada, preferência por atividades isoladas e grande dificuldade de alterar rotinas são algumas das características da pessoa autista.
Como é impossível invadir a mente humana, imagina-se que o tanto que se conhece sobre o autismo, na verdade, ainda é pouco. Diferentemente do que muitos acreditam, não existe comprovação científica de que a pessoa com TEA, limitada em realizações corriqueiras, possua talento excepcional para alguma atividade complexa. Mas fato é que muitas delas o tem.