Alexandre Burmann
Andréa Struchel
Paulo de Bessa Antunes
Rosa Ramos
O licenciamento ambiental é tido como o principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente de caráter preventivo e em matéria de controle ambiental. É por seu intermédio que se confere uma maior proteção ao meio ambiente, minimizando os impactos negativos causados pelas atividades industriais ou agrícolas, por exemplo. De acordo com a Lei 6.938/1981, o intuito desse instrumento é promover o desenvolvimento econômico e social aliado à proteção do meio ambiente.
A Constituição Federal de 1988, no caput do art. 225, dispõe que todos “têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever do Poder Público, com vistas a assegurá-lo, exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”. Nesta linha, a Lei Complementar 140/2011 disciplinou a competência administrativa ambiental e repartiu as competências entre os entes da Federação: União (art. 7º), estados (art. 8º), municípios (art. 9º) e Distrito Federal (art. 10).
Os municípios podem exercer plenamente a sua competência no licenciamento ambiental, cabendo a eles a criação, estruturação e organização de seus respectivos órgãos e legislação ambientais locais para dar conta do controle ambiental local.
Se o empreendimento, obra ou atividade for de impacto predominantemente local, o licenciamento ambiental poderá, em regra, ser realizado pelo próprio municípios, cuja competência administrativa foi reconhecida pelo art. 23 da Lei Fundamental. Com isso, ganhou força o movimento em prol da municipalização do licenciamento ambiental, havendo legislação adequada, equipe técnica multidisciplinar e ouvido o conselho local, ficando claro que esse processo acarreta benefícios para o planejamento e gestão das urbes.
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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em sua publicação “Perfil dos municípios brasileiros”, de 2015, oferece um capítulo sobre Gestão Ambiental, especialmente focado nos municípios que internalizaram o licenciamento ambiental como ferramenta de sustentabilidade. A publicação traz um gráfico que apresenta a porcentagem dos municípios que realizam o licenciamento ambiental, agrupados em classes de população, a saber:
Verifica-se, no quadro acima, um robusto processo de municipalização do licenciamento ambiental por grandes municípios, com mais de 500 mil habitantes (na escala de 90,2%), apresentando-se uma curva descendente para os municípios menores, totalizando entre os entes locais pátrios a porcentagem de 30,4%. Isso retrata uma forte tendência de descentralização do licenciamento ambiental pelos entes que possuem vontade política e capacidade institucional para investir nesse instrumento de comando e controle, estratégico para a gestão ambiental das cidades.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o licenciamento ambiental pelos órgãos municipais é disciplinado pela Deliberação Consema Normativa 01/2024, que fixa tipologia para o exercício da competência local no âmbito do licenciamento ambiental, estipulando um escalonamento de competências de acordo a capacidade e estrutura dos municípios. Atualmente, têm-se dos 645 municípios paulistas, apenas 70, ou seja, em torno de 10% do total optaram por municipalizar o licenciamento ambiental.
No Rio Grande do Sul, um programa de descentralização da gestão ambiental foi implementado no início dos anos 2000 e transformado em programa de governo. Isso tornou o Estado referência nacional na municipalização do licenciamento ambiental.
Em 2009, por exemplo, conforme dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, existiam 300 municípios realizando o licenciamento ambiental no Brasil, dos quais 228 eram localizados no Rio Grande do Sul. Esses dados demonstravam claramente que o programa implantado no Estado apresentava resultados convincentes, considerando o universo de municípios responsáveis pelo licenciamento ambiental em todo o território nacional.
Para os defensores da municipalização da gestão ambiental, é claro que tais números indicavam o caminho a ser seguido pelo restante do país.
Atualmente, após um processo evolutivo e de consolidação do licenciamento municipal, o Estado sistematizou as atividades passíveis de impacto local na Resolução 372/2018 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA).
Essa norma regulamenta e fortifica a autonomia dos municípios para licenciar empreendimentos, obras e atividades de impacto local. De acordo com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, dos 497 municípios do Estado, 480 já fazem o licenciamento local, o que perfaz o excelente índice de 96,5%.
O Estado, por meio da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (FEPAM), órgão estadual de meio ambiente no RS, também firma convênios de delegação de competências das atividades definidas como de impacto supralocal, possibilitando que os municípios conveniados atuem no licenciamento destas atividades, nos termos do art. 5º, caput, da LC 140/11.
Face aos dados e práxis apontados, parece-nos salutar que esta prática seja espraiada pela nação, especialmente para outras cidades que têm o processo de licenciamento ambiental amadurecido (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Campinas, João Pessoa, etc.).
A partir da experiência local de gestão ambiental, trazem-se algumas tendências, como aliar a gestão técnica à dialógica e participativa, oportunidade em que os conselhos ambientais possuem papel estratégico, com destaque aos municipais, que retratam uma importante forma de inclusão na formação de políticas públicas locais, com o norte da participação cidadã.
Ademais, o licenciamento é uma das fontes primárias de informações sobre o território, permitindo-se ao gestor local o cruzamento de estudos e dados para analisar as sinergias de diversos empreendimentos e seus impactos no meio ambiente, a aplicação de políticas públicas nas compensações geradas pelos empreendimentos, dentre muitas outras possibilidades, são potentes instrumentos para gestão pública
O licenciamento ambiental municipalizado também permite o controle efetivo dos impactos de empreendimentos e atividades potencialmente poluidores – para além do licenciamento urbanístico, quando promove diretamente o licenciamento ambiental (em sede de impacto local) e oferece subsídios qualitativos a outros órgãos ambientais estadual e federal (em sede de impacto regional e nacional), dentre eles, as condições de infraestrutura já existentes do local e as em planejamento.
Como exemplo, o plano macroviário projetado para a cidade, bem assim as políticas e restrições de caráter ambiental constantes da legislação citadina, trazendo, por conseguinte, maior segurança ao processo de licenciamento ambiental do empreendimento ou atividade.
Também salientam-se as parcerias e movimentos de sinergia institucional entre as cidades, por meio de consórcios públicos de municípios, a exemplo: o Consórcio Intermunicipal do Médio Vale do Itajaí – CIMVI (Santa Catarina), Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Ambiental Sustentável do Norte de Minas (Minas Gerais) e Consórcio do Vale do Paraíba (São Paulo).
Constituídos especialmente para o licenciamento ambiental, leva-se em conta as experiências de união de municípios conurbados, inseridos de regiões ou aglomerações urbanas, bem como as bacias hidrográficas, com o objetivo de prestar serviços de controle ambiental e desenvolver ações conjuntas que visem o interesse coletivo, o que garante maior cooperação, maior descentralização, bem como ganhos de escala, melhoria da capacidade técnica, gerencial e financeira regional.
Ademais, os municípios estão muito mais próximos das demandas de interesse local da sociedade, podendo dar uma resposta mais célere nos processos de licenciamento e uma fiscalização imediata nas ações de fiscalização ambiental. Para além da competência constitucional, a condição geográfica do nosso país e os reduzidos recursos destinados para a área ambiental nos entes federados mais do que justificam a atuação municipal.
Para isso, é imprescindível a capacitação dos órgãos municipais: União e os estados devem promover o repasse de recursos técnicos, administrativos e financeiros para os municípios, inclusive com um estímulo maior para a formação de consórcios municipais, com vistas a melhorar a dotá-los de infraestrutura suficiente para possibilitar um licenciamento mais qualificado e garantir um determinado grau de uniformidade na atuação municipal.
Por fim, inseridos na agenda de cidades cada vez mais sustentáveis, o direcionamento do instrumento não somente como forma de controle ambiental, mas também de planejamento e potencializador de cumprimentos de acordos globais, a exemplo da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), em que 193 Estados Membros da ONU comprometeram-se a alcançar algumas premissas do Desenvolvimento Sustentável até 2030.
Com órgãos ambientais municipais qualificados e atuantes, a certeza de defesa e proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nas atividades de impacto local restará atendida, em benefício de toda a sociedade.
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