Por Alexandre Burmann*, Juliana Mattei* e Stella Nivis Vivona*
Muito tem se debatido sobre o aparente conflito de interesses entre a estatal Petrobras e a autoridade ambiental federal Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quanto à possibilidade de extração de petróleo na costa marinha do Amapá e pequena parte do Pará, região que abriga a Foz do Rio Amazonas.
Ainda em 2014, empresas detentoras do direito de exploração iniciaram o licenciamento ambiental para realização de pesquisas nos blocos de exploração na chamada bacia sedimentar da Foz do Amazonas (bloco FZA-M-59). O primeiro poço submetido a licenciamento foi projetado para ser realizado a 500 km da Foz do Amazonas e teria, por objetivo, a realização de atividade de perfuração marítima de poço em caráter transitório, com duração aproximada de cinco meses, visando, com isso, avaliar sobre a possibilidade de futura exploração para a efetiva produção de petróleo.
Em 2020, o processo de licenciamento foi assumido pela Petrobras, aumentando ainda mais as expectativas sobre o volume de reservas disponíveis para exploração partindo-se dos resultados que vêm sendo obtidos nas áreas contíguas exploradas pelo Suriname e pela Guiana Francesa. Contudo, segundo a própria estatal, o objetivo da perfuração do poço é “verificar a existência ou não de jazida petrolífera na Margem Equatorial”. Uma vez confirmado o potencial de reserva, novo processo de licenciamento deverá ser iniciado visando a efetiva produção de petróleo e gás, o que pode levar mais de dois anos.
Se de um lado há grande interesse nacional sob o viés econômico, de outro, e não menos importante, a relevância ambiental daquela região foi impondo diversos desafios à constatação da viabilidade ambiental da exploração petrolífera no ambiente amazônico, a começar pela necessidade de se entender os impactos da atividade para as comunidades tradicionais que sobrevivem dos recursos naturais ali disponíveis, passando pela descoberta de corais na Foz do Amazonas e outros pontos sensíveis como a necessidade de se buscar uma nova economia de baixo carbono.
A Petrobrás informa que atendeu a todas as solicitações do Ibama, inclusive indicando que a comunidade tradicional mais próxima estaria a 13 km de distância e fora da área de interferência do empreendimento. A autoridade ambiental federal, porém, concluiu pelo indeferimento do pedido de licença da Petrobras, considerando “as inconsistências identificadas sucessivamente no projeto analisado, a notória sensibilidade socioambiental da área de influência e da área sujeita ao risco aliado às complexidades e limitações técnicas e logísticas envolvidas nas operações e ainda pela latente necessidade de se elaborarem avaliações mais amplas e aprofundadas para atestar a adequabilidade da cadeia produtiva da indústria de petróleo e gás na região, recomenda-se o indeferimento da licença ambiental e o arquivamento deste processo de licenciamento ambiental”.
A necessidade de realização, pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA), de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) – a qual, apesar de regulamentada desde 2012, não foi ainda implementada para a região da margem equatorial do Amazonas – foi destacada pelo Presidente do Ibama para acompanhar o parecer da equipe técnica para o indeferimento do pedido.
Note-se que, como bem destacado pelo Ibama, a AAAS, cujo principal instrumento é o Estudo Ambiental de Área Sedimentar (EAAS) – um estudo multidisciplinar, com abrangência regional, cujo objetivo principal é subsidiar a classificação de aptidão de áreas com vistas não só à outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural, mas também a produzir informações ambientais regionais para subsidiar o licenciamento ambiental de empreendimentos específicos –, que deveria ter sido realizado pelo próprio Poder Público, nos termos da Portaria Interministerial MME-MMA nº 198, de 05 de abril de 2012.
Não podemos opinar sobre a decisão, pois não temos informações detalhadas do processo de licenciamento. O que podemos dizer é que o Ibama emite posicionamento exclusivamente técnico. Com certeza é um assunto que voltará à pauta, e espera-se que com a devida transparência, para que se possa avaliar sobre a viabilidade da atividade como um todo na região, cuja relevância ambiental para a humanidade é indiscutível.
Porém, fica claro o equívoco do Poder Público no passado, quando levou a leilão os blocos exploratórios da Foz do Amazonas sem que os necessários estudos da área sedimentar na região tivessem sido realizados, permitindo à estatal – e ao país como um todo – gerar a expectativa sobre a sua exploração.
Por fim, importante destacar a necessidade de se abrir debate na busca de uma definição sobre necessidade de reposição de reservas de petróleo a partir de eventual futura exploração e produção na Foz do Amazonas, uma vez que o mundo se encontra em fase de transição energética. Seria, ou não, o pré-sal suficiente para suprir toda a fase de transição?
*Alexandre Burmann é coordenador da Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Comissão de Meio Ambiente, da Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB SP)
*Juliana Mattei é coordenadora de Energias Elétrica e Renováveis da Comissão de Meio Ambiente da OAB SP
*Stella Nivis Vivona é coordenadora de Petróleo, Gás e Mineração da Comissão de Meio Ambiente da OAB SP