Pesquisa recente apontou que negros representam são menos de 1% nos grandes escritórios de Advocacia
Por Robson de Oliveira, Presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB SP
A política de cotas implementada no Brasil vem colaborando para o ingresso cada vez maior da população negra nos cursos universitários. Contudo, os obstáculos e desafios profissionais para as pessoas negras permanecem. Primeiro, ainda durante a faculdade, para o acesso à formação complementar, encontrando estágios voltados à área de formação acadêmica nos diferentes segmentos de atuação. Depois, já com o curso concluído, para ingressar no mercado de trabalho.
Trazendo a questão para o ramo do direito, na atualidade, os grandes escritórios do Brasil contam com menos de 1% de advogados negros, o que demonstra que embora estejam tendo acesso à universidade, negros e negras, que são maioria racial brasileira, não ocupam espaço expressivo nesse campo profissional.
Sua inclusão, portanto, trata-se de um grande desafio, partindo-se da premissa de que vivemos em um país racista, que nega tal condições e não integra mulheres e homens negros à profissão qualificadas, tornando a maior parcela da população ausente de representatividade, fazendo com que esses ambientes não sejam múltiplos e diversos, o que, consequentemente, acaba reduzindo suas qualidades e potencialidades frente a um mercado cada vez mais exigente.
Não obstante, a experiência que carrego na advocacia demonstra que, além de necessária, é possível promover a inclusão racial. Não há uma formula mágica para tanto, mas se impõe, acima de tudo interesse, participação e o uso de meios que façam da admissão de profissionais negros grandes oportunidades de crescimento e aperfeiçoamento das instituições. Isto porque, pensar em inclusão implica mudanças de comportamento, estruturas e estratégias, com o objetivo de qualificar os profissionais negros que chegam e principalmente as equipes que os recebem.
Tais práticas geram excelência em todos os resultados, tanto de inclusão como de realização das atividades fim das instituições.
É importante que se compreenda que a inclusão racial não se resume na admissão das pessoas negras nos quadros das empresas. Por isto, defendo que a efetiva inclusão consiste em admitir, acolher, capacitar e reter esses profissionais nos diferentes postos do mercado de trabalho.
A contratação de profissionais negros exige que os responsáveis por esses processos seletivos sejam sensíveis e estejam preparados para promover a inclusão. Isto porque, via de regra, a perspectiva de uma pessoa negra é de que ela não será aprovada no processo seletivo, pois, infelizmente, em decorrência do racismo estrutural e institucional que existem em nosso país, ela já sabe que a cor da sua pele é fator de eliminação.
O candidato negro já chega à disputa da vaga com a pior expectativa possível, a da reprovação, o que, por óbvio, afeta diretamente seu desempenho, fator este que não é considerado pela maioria dos responsáveis nas contratações.
Nesse sentido, carecem-se de pessoas sensíveis a essas questões, para que possam perceber as potencialidades daqueles candidatos que carregam consigo histórias de discriminação racial cotidiana. Uma vez observadas as considerações acima, existem grandes possibilidades de as instituições lograrem êxito na contratação de profissionais negros.
Contudo, ressalto que, após realizada a admissão, outros desafios irão se apresentar às instituições, pois não basta terem profissionais negros em seus quadros para que se possam ser consideradas inclusivas. Contratado, o profissional deve ser acolhido, visto que ingressa em um ambiente predominantemente branco, onde, naturalmente as pessoas muitas vezes comportam-se de modo racista (por vieses conscientes e inconscientes).
Não é incomum que essas instituições não estejam acostumadas em ter pessoas negras, pois as pesquisas demonstram que elas de fato não estão nesses espaços. Desse modo, a pessoa negra precisa sentir-se confortável e segura ao trabalhar e, para isto, todo o ambiente deve ser preparado para recebê-la, de forma a não sofrer qualquer espécie de preconceito ou discriminação, já que a probabilidade de um profissional adoecer por viver em um ambiente tóxico é grande e, nesse caso, corre-se o risco de perde-lo por não corresponder às expectativas geradas quando de sua contratação.
Assim, é necessário que se quebre o paradigma de que não ocorre discriminação nesses lugares, conscientizando todos sobre as temáticas do racismo estrutural e institucional existentes em nosso país.
Para evitar o exposto acima, exige-se educação e conscientização, a fim de que todos do ambiente laboral deixem de cometer atos racistas, condutas inadequadas e ofensivas, tais como exposição de piadas vexatórias, uso termos pejorativos, expressões com duplo sentido, etc.
A criação de protocolos de conduta, a realização de cursos de formação, a promoção de debates, rodas de conversa, trocas de conhecimentos e informações sobre os temas são fundamentais para a construção de um local de trabalho sadio, no qual negros e negras sintam-se confortáveis e verdadeiramente acolhidos nas instituições.
Da mesma maneira, é fundamental que o profissional negro seja capacitado, o que é necessário para o seu crescimento, explorando as potencialidades que devem ser desenvolvidas, mostrando-se imprescindível a oferta de oportunidades pela instituição que pretende inseri-lo no ambiente corporativo. Ora, uma vez que o profissional é acolhido, a instituição deve estar ciente de que em decorrência de toda a discriminação que uma pessoa negra sofre, as oportunidades lhe são escassas, o que gera menor acesso às informações e capacitação.
Considerando que ela não teve as mesmas oportunidades que uma pessoa branca, a instituição deve preocupar-se em capacitar os profissionais que selecionou, para que eles estejam em condições de igualdade com aqueles que tiveram as melhores formações, para poder enfrentar os desafios de uma sociedade meritocrática.
Nesse processo, observadas as individualidades dos contratados, a instituição deve buscar que os gaps (lacunas nas competências profissionais) eventualmente existentes sejam supridos com o decorrer dos tempos. Então, uma vez definido o perfil e analisada a performance, serão estabelecidas estratégias para capacitação e aprimoramento.
É essencial aproveitar potencialidades do profissional, para alavancar oportunidades, defendê-lo de ameaças, tornando-o cada vez mais seguro, qualificado e preparado a enfrentar os desafios do mercado de trabalho.
Capacitado, o profissional negro irá muito além na vida e na carreira dentro da instituição que o incluiu.
É importante esclarecer que, na hipótese de a instituição não lograr êxito em acolher e capacitar o profissional nas formas pretendidas, invariavelmente ele não irão performar, ou seja, não terá o desempenho esperado, e consequentemente não será mantido no ambiente laboral pela instituição.
Ademais, para que um espaço, público ou privado, seja reconhecido como inclusivo ele deve ter a capacidade de reter o profissional admitido, desenvolvendo suas potencialidades, incorporando-o ao mercado definitivamente. Nesse ponto, há dois aspectos fundamentais.
Primeiro, considero que uma vez que se faz a inclusão e a capacitação do profissional negro, é necessário que se dá condições para que ele cresça na empresa que o contratou. Caso contrário, aquele espaço não será atrativo a ele, que irá buscar outros campos nos quais possa desenvolver suas potencialidades e aplicar conhecimentos adquiridos, com a devida retribuição que se dá pelo crescimento na carreira.
O segundo aspecto relevante e que exige o empenho em reter é aquele ligado a geração de riquezas. A inclusão gera riqueza e o fomento de novas ideias para o crescimento da instituição. Não há dúvidas, e os estudos demonstram isso, que profissionais com diferentes percepções sobre o mundo agregam mais valor às instituições de que participam, as quais não abrirão mão daquilo que eles representam e das funções que desempenham nos espaços por eles ocupados.
Por conseguinte, tão importante quanto admitir profissionais negros, é necessário que eles permaneçam, pelos valores que agregam às instituições.
Compreendo que assim podemos realizar inclusão racial de forma genuína: admitindo, acolhendo, capacitando e retendo profissionais. Nisso deve consistir nosso empenho, para realizar equidade (adaptação de oportunidades no intuito de deixá-las justas) a fim de que as futuras gerações não encontrem tantas barreiras para adentrar no mercado de trabalho e cada vez mais aumente a ocupação de cargos de liderança pela população negra, com iguais oportunidades para todos.
Esse é um dos caminhos necessários para que nossa sociedade evolua e elimine o racismo estrutural e institucional existentes, os quais discriminam e excluem, para que assim toda a população negra possa compartilhar de modo igual todos os benefícios e riquezas que nosso país produz e oferece