Projeto quer identificar e disseminar as novas tendências e campos emergentes de atuação na advocacia
O mercado de trabalho para advogados está em constante evolução e novas oportunidades surgem em resposta a mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. Atento a estas profundas transformações, o Observatório de Inovação da Advocacia e Novos Mercados da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP) está mapeando as soluções e novas possibilidades de atuação no universo do direito.
Para detectar as novas áreas emergentes e tendências da advocacia, o órgão realizou inicialmente uma pesquisa com várias comissões da OAB SP. “O objetivo do Observatório é justamente identificar e disseminar inovações que possam ser úteis para todos os advogados e advogadas”, destaca o coordenador do Observatório de Inovação da Advocacia e Novos Mercados da OAB SP, Caio Farah Rodriguez, que também é professor Senior Fellow do Insper.
“Isto é, as inovações precisam chegar à ponta da advocacia paulista, que é constituída pela maioria de advogados autônomos e pequenas sociedades que batalham dia a dia na prestação de serviços jurídicos a seus clientes”, completa.
O coordenador ressalta ainda que inovação na advocacia não tem necessariamente a ver com tecnologia, como muitos pensam. A inovação pode se servir da tecnologia, mas o que define o que é inovador são os conflitos da atualidade e a capacidade de pensar soluções para resolver estes conflitos.
“Nem todas as inovações se materializam em novas tecnologias ou aparelhos. Mudanças organizacionais, por exemplo, como a busca pela real diversidade e inclusão no local de trabalho e na distribuição do poder decisório em ambientes tipicamente hierarquizados e engessados, podem ser inovações com ainda mais impacto na advocacia”, afirma Rodriguez.
A pesquisa inicial do Observatório aponta alguns setores que oferecem novas oportunidades de atuação no campo jurídico. Entre elas estão as demandas por justiça social e racial; meio ambiente; empreendedorismo; solução consensual de conflitos; governança; mídia, entretenimento e cultura; moda; compliance, entre outros.
“Em qualquer caso, para descobrir onde está um novo mercado e onde uma inovação pode estar surgindo, devemos nos perguntar sobre os desafios concretos e singulares do presente, em que a advocacia certamente terá um papel”, esclarece Rodriguez.
Diante de tantas transformações na sociedade e novas opções de mercado na advocacia, surge também o questionamento sobre como deve ser o advogado do futuro.
Para Caio Farah Rodriguez, é aquele que não apenas acompanha as tendências do mercado, mas também as antecipa. “O advogado do futuro precisa ser um especialista em incerteza e crise. Vamos chamar de ‘o direito da incerteza’, que demandará alta capacidade de adaptação e flexibilidade”, explica. “Precisará saber cooperar e negociar e, com o perdão do clichê, ‘aprender a aprender’ continuamente”, conclui.
Confira, a seguir, a entrevista completa:
Qual o balanço da pesquisa realizada com as comissões da OAB SP sobre tendências inovadoras na Advocacia?
Fizemos, até o momento, uma pesquisa apenas preliminar, que já foi muito animadora, no sentido de começar a identificar novas áreas e práticas de atuação da advocacia. Porém, queremos e precisamos aprofundar e estender essa pesquisa agora, para sermos capazes de divulgar e exemplificar iniciativas concretas, que possam fazer diferença na prática cotidiana dos advogados e advogadas.
O objetivo do Observatório é justamente identificar e disseminar inovações que possam ser úteis no ‘chão de fábrica’, como diz a nossa presidente da OAB SP, Patricia Vanzolini. Isto é, as inovações precisam chegar à ponta da advocacia paulista, que é constituída pela maioria de advogados autônomos e pequenas sociedades que batalham dia a dia na prestação de serviços jurídicos a seus clientes.
O que pode ser considerado inovação na Advocacia? Quais as principais inovações na área jurídica?
O primeiro aspecto a entender sobre inovação é que não se trata de uma ideia luminosa e radical, um lampejo isolado, que acende na cabeça de um indivíduo, tipicamente em situação de competição com outros para resolver um problema primeiro e auferir a parcela maior dos benefícios financeiros que dela decorrem. Ao contrário, a inovação é, na maior parte das vezes, resultado de trabalho em grupos ou redes, formais, informais e variáveis, que misturam competição e cooperação em âmbitos diferentes, traduzida em uma mudança que representa uma nova possibilidade de ação, porém adjacente, não distante, ao que existe hoje.
A imagem mais próxima é a da evolução da energia solar, que é modular e acessível, e não da descoberta do teletransporte de moléculas. Da mesma forma, nem todas as inovações se materializam em novas tecnologias ou aparelhos. Mudanças organizacionais, por exemplo, como a busca pela real diversidade e inclusão no local de trabalho e na distribuição do poder decisório em ambientes tipicamente hierarquizados e engessados, podem ser inovações com ainda mais impacto na advocacia.
É possível mensurar o impacto dos avanços tecnológicos no exercício da Advocacia?
Mesmo com as ressalvas que fiz anteriormente, no sentido de que inovação não se dá unicamente por avanços tecnológicos, todo mundo sabe, por exemplo, pelo telefone celular que carrega e que funciona quase como um computador de bolso, como a tecnologia pode fazer diferença nas nossas vidas.
Os impactos do avanço de formas de inteligência artificial gerativa, por exemplo, são potencialmente grandes e interessantes. A possibilidade de deixarmos para a máquina todo o trabalho repetitivo, que possa ser incorporado em um dispositivo que aprende com as próprias tarefas e vai se aprimorando progressivamente, reservado aos seres humanos o que não é ainda passível de repetição, é real. Há ganhos de eficiência, em escala e escopo, muito tangíveis à vista.
Entretanto, encarar o desafio de fazer com que o acesso a essas novas tecnologias e seu uso competente não seja segmentado e possa, novamente, ser aproveitado pela maioria da advocacia paulista e não apenas pelos grandes escritórios, é o mais importante para nós.
A Escola Superior da Advocacia (ESA) de São Paulo já dispõe, por exemplo, de diversas ofertas de cursos disponíveis para atualização nessa área. O ideal que seguimos é o de que cada advogado ou advogada possa se tornar um ‘artesão tecnologicamente equipado’, em vez de, como na distopia dominante, ser substituído pela máquina ou ficar submetido e inferiorizado por quem detém as máquinas mais poderosas.
Num período com tantas transformações e desafios, quais são os novos mercados no campo jurídico?
A essa pergunta fundamental tentaremos responder ao longo de todo o nosso trabalho, progressivamente. Em qualquer caso, para descobrir onde está um novo mercado e onde uma inovação pode estar surgindo, devemos nos perguntar sobre os desafios concretos e singulares do presente, em que a advocacia certamente terá um papel.
E alguns desses desafios são óbvios: as questões decorrentes das demandas por justiça social e racial (finalmente, parte central do debate público), a pauta da regeneração ambiental (a mera sustentabilidade não dá conta mais), a governança e controle das novas tecnologias de inteligência artificial (não a submissão passiva a elas), o tratamento de atingidos por atividades empresariais e, no nível da formação, aspirações e inspirações da Geração Z (e Alfa), que mal conhecemos.
Para dar um exemplo concreto, no meio ambiente, parece muito plausível que as mudanças climáticas, com inundações, incêndios, desabamentos e outras catástrofes, agravadas pelo déficit de investimento em infraestrutura e preservação, possam se tornar cada vez mais frequentes e que todos os envolvidos, como causadores, atingidos, intermediários (seguradoras etc.) precisem de assessoria jurídica.
No lado positivo do mesmo tema, a construção do mercado de créditos de carbono também se apresenta como novidade interessante a ser explorada. E, para dar outro exemplo ainda, o problema da desigualdade racial e social e discriminações de gênero e orientação sexual também poderão gerar demandas por novos especialistas, mais capazes de lidar com temas sensíveis.
Se pautas como o ESG (conceito relacionado às questões ambientais, sociais e de governança) serão uma moda passageira ou não, o fato é que serviços jurídicos parecem cada vez mais necessários em casos de assédio moral e sexual, corrupção, desvios de condutas empresariais (como fraudes contábeis) etc. E, como tendência geral já apontada há tempos, a resolução consensual de conflitos.
Como o Observatório de Inovação da Advocacia e de Novos Mercados da OAB SP pode contribuir para que os profissionais consigam se inserir nestes novos campos de atuação?
Há várias iniciativas em fase de implementação. A primeira realização é esta divulgação periódica de inovações pontuais e novos mercados, a partir da atuação das comissões, numa seção especial da newsletter da OAB SP.
Outra ação será o lançamento de um prêmio de inovação na advocacia paulista, que deve abranger algumas categorias importantes, o que, como mencionei acima, não estaria restrito à tecnologia, mas incluiria inovação em práticas organizacionais e de disseminação do conhecimento. Também estamos iniciando uma parceria com o Insper – instituição dedicada ao ensino e à pesquisa – para realização de pesquisas sobre a advocacia paulista.
Qual o perfil do advogado do futuro? O que ele precisa fazer para se manter em sintonia com o ritmo acelerado das transformações na sociedade?
Embora seja perigoso tentar antecipar o futuro, penso ser uma formulação prudente responder que o advogado do futuro precisa ser um especialista em incerteza e crise. Vamos chamar de ‘o direito da incerteza’, que demandará alta capacidade de adaptação e flexibilidade.
Além dos conhecimentos técnico-jurídico específicos e de conhecimentos extrajurídicos necessários (psicologia, economia, gestão etc.), precisará desenvolver capacidades analíticas (quebrar um problema em partes) e sintéticas (recombinar os elementos do problema de outra forma). Precisará saber cooperar e negociar e, com o perdão do clichê, ‘aprender a aprender’ continuamente.
E o papel da OAB SP é servir como plataforma em que esse cenário de incerteza não seja assustador nem paralisante e em que os instrumentos necessários para adquirir essas habilidade estejam disponíveis e permitam cruzamentos produtivos entre profissionais, inclusive aqueles hoje imprevisíveis, que serão as sementes das inovações futuras.