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Fenalaw 2023: Constituição é forte, mas precisa de apoio popular para ser cumprida

By 25 de outubro de 2023dezembro 14th, 2023No Comments
oscar vilhena

Na abertura do maior evento jurídico da América Latina, professores dedicados ao direito constitucional avaliam como o país trata seus direitos fundamentais

Os professores Oscar Vilhena, da FGV, e Maria Garcia, da PUC-SP, falaram sobre os 35 anos da Constituição na abertura da Fenalaw 2023, o principal evento jurídico da América Latina. As falas abriram a feira que começou nesta quarta-feira (25) e vai até sexta-feira (27), no Centro de Exposições Frei Caneca, na Capital paulista.

Segundo o professor Oscar Vilhena, se 35 anos não parecem ser suficientes para uma grande comemoração, a Constituição pede essa lembrança por ter conseguido se manter firme diante de tantas ameaças recentes à democracia.

“A data se faz relevante porque a média mundial das Constituições é de apenas 19 anos, e poucas delas passaram por testes de resiliência tão fortes”, afirma o professor.

Ele lembra que houve o tempo em que jovens saíram às ruas para exigir que a Constituição fosse cumprida. Por outro lado, uma nova onda pediu recuo. “A partir de 2013, começou a surgir uma parcela da população achando que o Brasil evoluiu demais e precisava da volta de um regime autoritário”, diz Vilhena.

Essa onda de “populismo autocrático” foi um momento de grande estresse para a Constituição, na visão da professor.

Houve, então, a tentativa de usar um “legalismo autoritário”, através da criação de normas e decretos, para neutralizar a Constituição. Porém, as instituições asseguraram a sua sobrevivência. “Isso não quer dizer que a democracia está garantida. Sempre estaremos sujeitos a ataques”, lembra o professor.

Para Vilhena e Maria Garcia, o que adianta uma Constituição forte se ela não se faz cumprir. Por isso, o maior desafio, na visão dos professores, é fazer valer, de fato, os direitos fundamentais – mesmo a partir de um texto considerado extenso.

“Quanto maiores os problemas, maior deve ser o texto do contrato. Se está lá que nenhuma criança deve ser negligenciada é porque nós não cuidamos delas”, diz Vilhena.

Ele compara, por exemplo, à Constituição da África do Sul, após apartheid, que reforçou a questão de igualdade, ou a Indiana que acabou com o sistema de castas. “Temos muitas injustiças, e todas elas precisaram ser listadas”, concluiu o professor.

A professora de direito constitucional da PUC-SP, Maria Garcia, reitera que a Constituição ainda não está “totalmente em vigor na sociedade”, e levanta, ainda, a questão de que as emendas retalham o seu texto de forma grave.

“O artigo 14 fala do direito de voto, plebiscito e referendo, e já temos mais de 100 emendas que nunca foram colocadas em consulta popular. Todas são legais porque foram elaboradas a partir do artigo 60 [que regulamenta as emendas], mas nenhuma delas é legítima, porque não houve a manifestação popular”, defendeu a professora.

Para que essa realidade mude, é preciso investir em educação política, só com ela a população entenderá a importância de fazer parte dessa cobrança.

“O Brasil padece desse analfabetismo político. A Constituição, por exemplo, é algo que deveria ser ensinado na escola, nas mais diferentes fases de aprendizagem”, disse Garcia.

Política x Supremo

Vilhena deu sua visão sobre a politização da Justiça, tema que tem sido levantado a partir do julgamento de temas que ainda geram conflitos na sociedade, como a descriminalização do aborto, o marco temporal indígena e a liberação das drogas.

Esse debate, segundo o professor, deve ser capaz de distinguir quando alguns atos são delegados ao Supremo, e quando esse tribunal está praticando uma usurpação do Direito.

“A primeira politização é de responsabilidade direta do sistema político, que não é capaz de solucionar problemas agudos da sociedade. O problema do aborto é sério? Quantas mulheres morrem a buscar aborto? Qual a resposta do legislador? Nenhuma. Alguém, então, terá de reclamar no Supremo. É questão de arranjo político”, avalia Vilhena.

Por outro lado, é preciso debater alguns pontos que são, de fato, preocupantes. “Ter a última palavra dada por um único ministro e não um colegiado é um problema grave”, pontua o professor.

maria garcia

Maria Garcia, professora de Direito Constitucional da PUC-SP. Foto: Divulgação

Um pouco de história: uma Constituição participativa

O que fez da Constituição brasileira ser tão ampla e completa, lembra Vilhena, foi a maneira como ela foi elaborada. Uma comissão constituinte com 500 pessoas foi organizada em subcomitês temáticos, e os debates foram abertos à participação pública.

“Na época senador, Fernando Henrique Cardoso ficou a cargo de criar um regimento interno”, lembra o professor. “Passaram mais de 200 mil pessoas por essas discussões. A primeira fase foi aspiracional, reunindo tudo aquilo que a sociedade queria e, no segundo momento, as lideranças políticas foram negociar o pacto político”, explicou Vilhena.

Com tanto debate, foi possível incluir todos os temas possíveis, deixando margem para a criação de leis que regulamentassem o que ficou sem solução. “Jogamos conflito de interesses para que o legislador resolvesse, ao contrário dos americanos que apenas tiravam do documento os pontos que geraram discordância”, conta o professor.