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OAB SP manifesta apoio ao PL 253/2021, que institui a Política Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua

By 22 de novembro de 2022novembro 23rd, 2022No Comments
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Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos que vivenciam uma peculiar condição biopsicossocial de desenvolvimento¹. A Constituição Federal, em seu artigo 227, determina que é dever do Estado, das famílias e da sociedade assegurar, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais². A partir da regra constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) consagrou em seu artigo 4º que a absoluta prioridade inclui a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; a preferência na formulação e na execução das políticas públicas sociais e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Dessa forma, crianças e adolescentes devem estar sempre em primeiro lugar nos serviços, políticas e orçamento públicos.

A presente nota pública se faz necessária em razão da divulgação dos dados em relação às crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de São Paulo, pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), dentre os quais destacamos que foram contabilizadas, aproximadamente, quatro mil crianças em situação de rua, e que, desse total, somente 16% são atendidas em serviços de acolhimento, 10% pernoitam nas ruas, 73% utilizam a rua como meio de sobrevivência³ e, na perspectiva racial, 70% são pretas ou pardas4. Considerando o número alarmante de crianças e adolescentes que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, a Comissão Especial de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB SP se manifesta publicamente pela aprovação integral do substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 253/2021, que institui a Política Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua e que tramita na Câmara de Vereadores de São Paulo, dada a urgência do tema.

Nesse sentido, destacamos algumas orientações no âmbito internacional e nacional sobre o tema, no sentido de guiar as autoridades e responsáveis pela gestão pública na condução das políticas públicas voltadas a esse público.

O Comentário Geral 21/2017 do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas orienta aos Estados signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança a respeito de como desenvolver estratégias nacionais amplas e a longo prazo voltadas para as crianças em situação de rua.

O artigo 23 da Lei 8742/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – estabelece a obrigatoriedade de criação de programas de proteção às crianças e adolescentes e às pessoas em situação de rua, no âmbito da organização dos serviços de assistência social.

A Resolução Conjunta do Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) número 1, de 15 de dezembro de 2016, dispõe sobre o conceito e o atendimento de criança e adolescente em situação de rua e inclui o subitem 4.6, no item 4, do Capítulo III do documento Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes.

A Resolução Cnas/Conanda 1, de 7 de junho de 2017, estabelece as Diretrizes Políticas e Metodológicas para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de rua no âmbito da Política de Assistência Social.

A Resolução 187 do Conanda, de 9 de março de 2017, aprova o documento Orientações Técnicas para Educadores Sociais de Rua em Programas, Projetos e Serviços com Crianças e Adolescentes em Situação de Rua.

A Resolução 40/2020 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) dispõe sobre as diretrizes para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas em situação de rua, de acordo com a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Tais documentos já apontam para caminhos que podem guiar o planejamento da legislação e o desenho de políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de rua. Uma legislação municipal específica sobre o tema, construída com a sociedade civil, guiada pelos valores da proteção integral de todas as crianças e adolescentes e combate a qualquer forma de discriminação, será de fundamental importância para contribuir que as políticas municipais atendam as especificidades desse público e que considere a complexidade do problema, consolidando em um único documento as orientações contidas nos documentos anteriormente citados.

O Decreto Federal 7053/2009 é resultado do histórico de luta dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada e instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento reconhecendo que não existe outro caminho a não ser a efetivação da intersetorialidade para lidar com o fenômeno de estar e viver nas ruas. O referido decreto trouxe diretrizes importantes para estados e municípios organizarem a própria administração, garantindo a oitiva das pessoas que estão em situação de rua para o desenvolvimento dos serviços públicos. Vale destacar que São Paulo foi a primeira cidade a aderir formalmente à política nacional, em 2013, mesmo ano em que instituiu o Comitê PopRua, vinculado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, instância deliberativa que contribuiu para o desenvolvimento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, consolidada na Lei 17252/2019.

O trabalho social com a população em situação de rua deve garantir o direito à convivência familiar e comunitária, atuando para o fortalecimento e/ou reconstrução de vínculos familiares e/ou comunitários, seja estando com a família na rua ou não, bem como devem ser promovidas todas as medidas socioassistenciais, de saúde, moradia e demais políticas públicas para que adolescentes e mulheres grávidas tenham as condições de ficar com o seu filho ou filha quando nascer, garantindo a proteção integral à família.

Destaca-se que o substitutivo do PL 253/2021 é alinhado aos demais documentos jurídicos sobre o tema, apontando para a efetivação de políticas transversais e intersetoriais, priorizando o fomento à cidadania no lugar do mero assistencialismo e caridade para essas pessoas. Na descrição dos seus princípios, diretrizes e objetivos destacam-se: a compreensão da criança e do adolescente em situação de rua e na rua como sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento e público prioritário das políticas públicas, reconhecendo seu contexto social e familiar, suas trajetórias de vida, suas demandas e interesses como dimensões interdependentes e buscando uma atuação intersetorial na garantia da proteção integral (artigo 3º, I);  a priorização do atendimento e da garantia do acesso e permanência de crianças e adolescentes em situação de rua e na rua nas políticas, programas, planos, projetos e serviços municipais e a implementação de políticas públicas de forma integral, interdisciplinar e intersetorial com ações territoriais, transversais e articuladas, visando o enfrentamento de situações de risco pessoal e social (artigo 4º, I e II) e a promoção, em todas as suas dimensões, os direitos de crianças e adolescentes em situação de rua e na rua (artigo 5º, I).

De forma pragmática, o artigo 6º é dedicado à descrição do desenho das política públicas, focando na promoção de políticas setoriais e intersetoriais, de forma transversal e articulada com outros entes federativos e toda a sociedade, por meio da criação ou da ampliação de serviços públicos estabelecendo fluxos e desenhando etapas para comunicação entre os atores envolvidos na consecução dos serviços, projetos e programas. O texto legislativo também dedica especial atenção na descrição do aperfeiçoamento da política de assistência social, direitos humanos, política habitacional, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, emprego e renda das crianças e adolescentes em situação de rua para promover portas de saída para a situação de vulnerabilidade e exploração social, movimento importante e fundamental para articulação e fortalecimento da Rede de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes que deve ser estimulado e assegurado por seus atores e órgãos, como é o caso do Poder Legislativo.

Por fim, com o propósito de combater toda forma de violação dos direitos das crianças e adolescentes e erradicação de toda forma de exploração, o texto legislativo prevê a obrigatoriedade do poder público estabelecer canais de atendimento e recebimento de denúncias e reivindicações de direitos, tais como ouvidorias e outros canais de comunicação, devendo essa prática ser incentivada e receber investimentos e estrutura para que sejam implementados os canais necessários para a garantia de direitos e o combate a qualquer tipo de violência. 

Assim, a Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil vem manifestar-se pela aprovação do substitutivo do PL 253/2021, dada a absoluta prioridade de seus direitos e interesses, assegurada constitucionalmente, diante do exposto e nos termos da legislação vigente, e defende que é imperioso que sejam tomadas, com a máxima prioridade e urgência, todas as providências necessárias para garantir a efetividade do direito das crianças à vida, à saúde, à educação, ao convívio familiar e a todos os aspectos para garantia do seu pleno desenvolvimento como pessoa.

A proteção integral à infância e adolescência e o seu melhor interesse são pilares constitucionais que fazem do Brasil uma nação que tem na garantia dos direitos de crianças e adolescentes a sua prioridade absoluta.

 

Leonardo Sica

Vice-presidente da OAB SP

Isabella Henriques

Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

José Fernando Latorre Filho

Presidente da Comissão de Direito e Processo Legislativo

Priscila Beltrame

Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos

Mayara Silva de Souza

Vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

Luciana Ribas

Integrante da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

 

1- De acordo com Adriano Leitinho Campos, “a Convenção Sobre os Direitos da Criança traz como núcleo essencial os princípios da não discriminalção, do melhor interesse, da prioridade absoluta, da liberdade de expressão e da responsabilidade solidária da família, do estado e da sociedade, sendo normas-guias que ensejam uma outra gama de direitos fundamentais – como o da igualdade, da autonomia e o da proteção integral -, os quais devem ser respeitados pelos Estados que a ratificaram. O mundo vem se adaptando a essa nova roupagem da proteção integral da criança e do adolescente, criando suas normas específicas para garantir que todas as crianças e adolescentes, em nome do princípio da igualdade, tenham a mesma proteção e acesso aos mesmos direitos consagrados a todos os seres humanos, pois são sujeitos de direito, com capacidade e personalidade jurídica”. Continua o autor explicando que, por estarem em processo de desenvolvimento, crianças e adolescentes são considerados vulneráveis em sua essência, mas são iguais em dignidade às pessoas adultas, de modo que precisam ter sua autonomia respeitada enquanto sujeito ativo de seu futuro e principal ator de seu próprio desenvolvimento. (CAMPOS, Adriano Leitinho. O defensor da criança e do adolescente como instrumento da autonomia infantojuvenil. In CAMPOS, Adriano Leitinho [et al] (Orgs.). A defesa dos direitos da criança e do adolescente: uma perspectiva da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p.6-9.

2- “A prioridade deve ser assegurada por todos: família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público. (…) Comum, em sede de responsabilidade civil, falarmos na tendência moderna de socializar o dano, no Direito da Criança e do Adolescente estamos socializando a responsabilidade, buscando assim prevenir, evitar, ou mesmo minimizar o dano que imediatamente recairá sobre a criança ou jovem, mas que de forma imediata será suportado pelo grupamento social”. (AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução histórica do direito da criança e do adolescente. In: MACIEL, Kátia Regina Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 70).

3- Dados publicados pela Secretaria Municipal de Assistência Social disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/noticias/?p=332785.

4- Vide: https://noticiapreta.com.br/70-das-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-rua-em-sao-paulo-sao-pretos-revela-estudo.